A discussão à volta do conceito de Literatura destinada a crianças e jovens está desde há muito instalada entre os estudiosos na matéria, ditada pelos contornos ambíguos dos seus limites característicos. As teses são muitas. Por Palmira Simões Bigstock Photo Entre elas a negação da sua existência, devendo por isso ser integrada na Literatura geral porque esta é só uma e deve estar aberta a todo o tipo de leitores; a legitimação enquanto objeto literário de qualidade, sendo entendida muitas vezes como parente “pobre” ou subproduto; ou o englobamento dos diferentes públicos a que se destina (normalmente dos 0 aos 14/15 anos de idade), com competências leitoras díspares, num único atributo – infanto-juvenil – como se se pudessem fundir num só. O conhecimento dos estádios do desenvolvimento humano, conduzidos à ribalta por autores como Piaget, veio trazer alguma luz sobre o assunto, ou seja, sobre a forma de organização mental que permite ao indivíduo relacionar-se com a realidade que o rodeia (Coll e Gillièron, citados por Márcia Terra) e que obviamente difere consoante a idade na primeira fase da vida, passando por períodos a começar no sensório-motor (0-2 anos) e a terminar no das operações formais, a partir dos 11-12 anos. Outros autores vão mais longe, como Appleyard (citado por Bastos), que preconiza que a abordagem à leitura e o estabelecimento de laços com o livro fazem-se não só através de estruturas cognitivas mas também de envolvimentos afetivos, relações interpessoais, papéis sociais, etc. que não estão tão delimitados pelo fator idade. Capacidades cognitivas à parte, há pois quem defenda que crianças e jovens distinguem-se também do ponto de vista sociológico, nomeadamente no que respeita à “cultura” dos segundos, geralmente associada a uma identidade social, padrões de comportamento quotidiano e modos de pensar e de agir muito próprios, aos quais José Machado Pais chama de “paradoxos da juventude”. Talvez na tentativa de dar resposta a estes dois “mundos” – infantil e juvenil – aparentemente tão distintos, o mercado editorial tenha vindo também ele a bifurcar-se e a possibilitar o surgimento de criações literárias sob a denominação de Literatura Juvenil (LJ). Mas a designação, tal como o conceito, é polémica. Petrini (citado por Padrino) afirma que a LJ alcançou a “maioridade” e encontrou o seu espaço vital que junta às obras literárias modernas técnicas audiovisuais e abraça temáticas vastas como a divulgação científica, vivas e atuais, a ponto de lhe atribuir um valor educativo. Garcia Padrino desvaloriza esta característica atribuída apenas a este tipo de Literatura e reivindica-a para a Literatura geral, apontando como suposto ponto diferenciador a presumida “especificidade” de se adaptar aos gostos do público juvenil e não as criações literárias em si. No fundo, o que ele diz é que a LJ é Literatura, indiscutivelmente, e se, por acaso, ela transgredir alguns dos limites autênticos da causa literária continuaremos a falar de Literatura embora não na sua forma plena. E refere dois fatores que estão na base da atual demarcação da LJ: a vontade dos professores em desenvolver ou manter hábitos de leitura nos jovens através de obras adaptadas aos seus conhecimentos e interesses e a visão comercial do mercado editorial para este segmento, uma ideia corroborada por Isabelle Jan (citada por Padrino), que a dada altura terá afirmado que a LJ não é mais do que um fenómeno económico. Desvinculando-se em parte destes conceitos, Garcia Padrino, no mesmo texto, afirma que a atenção deve antes recair no fenómeno comunicativo da relação dos jovens com a Literatura em geral, repescando uma definição de Literatura Infantil e Juvenil datada de 1975 do investigador francês Marc Soriano, que a conceptualizava como uma “comunicação histórica (no tempo e no espaço) entre um locutor ou um escritor adulto (emissor) e um destinatário criança (recetor) que, por definição, de algum modo, no decurso do período considerado, não dispõe senão de forma parcial da experiência do real e das estruturas linguísticas, intelectuais, afetivas e outras que caracterizam a idade adulta”. A partir desta perspetiva, na hora de avaliar a LJ dever-se-á, segundo Garcia Padrino, considerar condicionalismos de transmissão e difusão da obra literária como mecanismos para a aquisição do livro ou a formação de hábitos literários prévios, destacando ainda neste processo o papel influenciador da família, da escola e dos professores, bem como da biblioteca escolar. É neste sentido que este autor sugere tirar partido da LJ no processo didático, através das leituras escolares e ao abrigo da Literatura em geral, fazendo uso quer de técnicas expressivas como dramatização ou recitação, quer de técnicas instrumentais a realizar com outro tipo de leituras, como as informativas ou recreativas. José António Gomes defende igualmente esta diversidade quando refere que os livros para a juventude “estão longe de se restringir ao campo da literatura”, acrescentando que qualquer biblioteca “deverá ter em conta esta realidade, dando assim resposta à potencial disparidade de gostos e interesses de leitura que caracterizam o universo multifacetado dos seus utilizadores” (idades e sexos, diferentes experiências linguísticas, cognitivas, sociais e culturais, e em fases diferenciadas do desenvolvimento das competências de leitura). Apesar da controvérsia, especialistas na área defendem a diferenciação e o mercado editorial aposta forte na “multiplicidade” do público juvenil, principalmente a nível temático, com predomínio do género narrativo, pouco denso (maioritariamente de autores estrangeiros, ou seja, traduções), em registo de diálogo e coloquial, passando pelas referências culturais atuais, coleções próprias, entre outras características identitárias da adolescência e juventude de hoje. Conclusão: interessa que os jovens tenham acesso à Literatura, seja ela qual for, e também a outras fontes de informação. Nestas idades revela-se fundamental consolidar os hábitos e as competências leitoras, aprendendo a lidar com leituras mais complexas (há que estabelecer alguns critérios). mas sem perder de vista a importância de ler por prazer, mesmo que isso implique o recurso a textos não literários ou com cariz mais lúdico. Os prazeres, incluindo o da leitura, não se impõem, contagiam-se, como diz Fernando Savater, tal como não se impõe a curiosidade pelos livros; desperta-se, “porque se queremos que o nosso filho, a nossa filha, a juventude leiam, é urgente outorgar-lhes os direitos que outorgamos a nós próprios” (Pennac), entre eles o de ler não importa o quê. Para saber mais (fontes) - BASTOS, Glória (1999), Literatura Infantil e Juvenil, Universidade Aberta, Lisboa. - FRAGA DE AZEVEDO, Fernando (S/D), “A literatura infantil e o problema da sua legitimação”, Universidade do Minho. Disponível em: http://repositorium.sdum.uminho.pt/bitstream/1822/2854/1/Literatura%20Infantil.pdf. - GOMES, José António (2006), ensaio “Literatura para a Infância e a Juventude e Promoção da Leitura”. Texto revisto para a Casa da Leitura em 2007 e originalmente para: “Promoção da Leitura: Balanço e Perspetivas”, Ponte de Lima, 2006, encontro no âmbito do projeto Vale de Letras, da Valimar (Associação de Municípios do Vale do Lima). Disponível em: http://195.23.38.178/casadaleitura/portalbeta/bo/abz_indices/000791_PL.pdf. - LÓPEZ, Xavier Minguez (S/D), “Una definición altamente problemática: la Literatura infantil y juvenil y sus ámbitos de estúdio”, Universidade de Valência, disponível em: http://www.academia.edu/456745/Una_definicion_altamente_problematica_la_Literatura_infantil_y_juvenil_y_sus_ambitos_de_estudio. - PADRINO, J. Garcia (1998) “Vuelve la polémica...¿Existe la literatura juvenil?”, Revista de Literatura Infantil Cuatrogatos, disponível em: http://www.cuatrogatos.org/show.php?item=216. - PAIS, José Machado (2003). Excertos de Culturas juvenis. 2ª ed., Lisboa: INCM (entre as pp. 29 e 41. - PENNAC, Daniel (1993), Como um Romance, Edições ASA (15ª edição de maio de 2010), Alfragide/Amadora. - TERRA, Márcia Regina (S/D), “O desenvolvimento humano na Teoria de Piaget”, texto disponibilizado na plataforma moodle da unidade “A leitura na Adolescência e na Juventude” da Universidade Aberta: http://www.unicamp.br/iel/site/alunos/publicacoes/textos/d00005.htm. - POR OUTRO LADO (2006), entrevista à RTP2 do escritor filósofo espanhol Fernando Savater sobre a Leitura em Escolas, por Ana Sousa Dias: http://www.youtube.com/watch?v=c6Cw8c851Jg&playnext=1&list=PL5079F3FDBE25794A&feature=results_main
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Neste estudo internacional, Portugal encontra-se entre os 19 países (em cerca de 50) com melhor desempenho em leitura para o 4.º ano de escolaridade (publicado em dezembro de 2012) Fonte: Ministério da Educação e Ciência
Imagem: BigStockPhoto Álbum e Livro Ilustrado Estão sobretudo indicados para crianças muito pequenas e dividem-se em álbum puro e em livro profusamente ilustrado. Desempenham um função essencial ao possibilitarem o primeiro contacto/relação com o livro e as representações do mundo. Configuram-se sob o modelo de lista (objetos, situações...) ou narrativo (que contam uma história mas centrada numa imagem isolada). Proporciona descobertas ao nível do "eu" ou do"eu com o mundo e com os outros". Livro-documentário Estes livros têm um cariz essencialmente informativo e de divulgação sobre o mundo. Podem assumir características de álbum ou de livro ilustrado. À semelhança dos anteriores podem ser uma lista de imagens ou uma narração. Foram originalmente considerados livros "úteis" ou para "instrução" sobre várias áreas do conhecimento. Têm uma tripla função: lúdica, informativa e relacional. Associam-se a objetivos pedagógicos. Narrativa Contemporânea Contos, novelas, narrativas de aventuras e mistério estão entre os géneros mais característicos da Literatura para crianças e jovens. O conto moderno surge como uma reinvenção do maravilhoso sem recorrer necessariamente à tradição oral (podendo integrar motivos tradicionais) tem regra geral uma narrativa pouco extensa com personagens pouco complexas e uma ação mais concentrada. Curta e sem estrutura complicada é também a novela para os mais novos, com caráter formativo ao fornecer-lhes um olhar sobre o real. A narrativa contemporânea faz, pois, uma leitura projetiva do eu leitor, recorrendo a personagens próximas do universo infantil e juvenil, ou seja, representando o real. Este tipo de obras facilita a interiorização do eu e a inserção social. Narrativa Tradicional A Literatura Tradicional é muito rica, uma grande parte com origem indeterminada, baseada na transmissão oral que se tem perpetuado ao longo dos séculos. Faz parte da nossa memória coletiva como recriação simbólica do quotidiano. Está indicada para diversos níveis de escolaridade, desde o pré-escolar ao secundário e possui um grande potencial pedagógico. Na Literatura Tradicional encontram-se várias formas, tanto narrativas em prosa ou em verso (mitos e lendas, contos, anedotas, fábulas...), como líricas ou outras (canções populares, adivinhas, trava-línguas, lengalengas, provérbios...), que serão abordadas no separador "Poesia". De destacar o papel socializador e linguístico que a literatura oral tem, bem como o seu valor literário, cultural e lúdico. Poesia A poesia caracteriza-se por uma riqueza discursiva, variedade formal e amplitude temática que deve ser "oferecida" também aos mais novos. Distingue-se em três grandes grupos - lírica, narrativa e lúdica - sendo que todos eles representam um papel importante nas leituras para a infância e juventude, tanto ao nível da expressão de sentimentos, dos sentidos, da objetividade e do reforço do poder da comunicação sonora. Este caráter lúdico da linguagem deve ser explorado logo a partir do pré-escolar Texto Dramático Caracteriza-se pela apresentação de dois tipos de discurso (o diálogo e as indicações cénicas, sendo este último um texto não dito quando representado) e ausência de narrador enquanto entidade estruturante e organizadora da ação narrada. O texto dramático possibilita o contacto com diversas conceções da realidade, pondo ênfase nas personagens. Distingue-se de texto teatral por este se consubstanciar no espetáculo teatral e não no literário. Em termos formais recorre com frequência ao verso rimado (determinadas falas, canções, etc.). As personagens estão fortemente conotadas com o universo infantil, seja através de personagens-criança ou da presença animal. BIBLIOGRAFIA: BASTOS, Glória (1999), Literatura Infantil e Juvenil, Lisboa, Universidade Aberta. A leitura de histórias é uma actividade muito rica e completa, pois permite a integração de diferentes formas de abordagem à linguagem escrita, em geral, e à leitura, de uma forma específica © Monkey Business - Fotolia.com Nos últimos anos têm sido desenvolvidos muitos trabalhos de investigação que identificaram os benefícios da prática de leitura de histórias, não só para o desenvolvimento das conceções emergentes de literacia, como também para a aprendizagem e desenvolvimento de competências de leitura. É indiscutível e de largo consenso a importância da prática de leitura de histórias, enquanto atividade regular, agradável e que proporciona interações e partilha de ideias, conceções e vivências. As razões apontadas para este grande potencial da leitura de histórias prendem-se com numerosos aspetos decorrentes de vivências durante os momentos de leitura e dos quais salientamos: - Proporcionar oportunidades para ouvir leitura fluente – com a entoação adequada, facilita o acesso ao sentido e à mensagem, a compreensão do que é ler e para que se lê, mas também desperta o interesse e a vontade em participar nesta atividade. - Fornecer modelos de leitores envolvidos – um educador ou um pai que goste de ler e que consiga transmitir esse prazer às crianças dá um contributo importante para a promoção de futuros “leitores envolvidos”. Para além do prazer, os adultos são importantes modelos de como e para que se lê. O envolvimento que sentirem e conseguirem transmitir nos momentos de leitura partilhada são um dos elementos essenciais para a formação de “pequenos leitores envolvidos”. - Alargar experiências – o que se lê nos livros, para além de ser uma importante fonte de conhecimento, pode servir de ponto de partida para explorações e pesquisas, para se saber mais sobre determinado assunto, para se compararem vivências e conhecimentos. A história tem assim um potencial imensurável e diversificado, adequando-se a sua exploração aos interesses e vivências de cada grupo de crianças. - Desenvolver a curiosidade pelos livros – a forma como se lê ou conta uma história, tal como toda a exploração que a antecede ou lhe dá continuidade, são elementos importantes para o desenvolvimento da curiosidade e do interesse pelos livros e a leitura. Contactando com livros diferentes (nos temas, nas formas de abordagem, no tipo de texto, na utilização de imagem, etc.), as crianças apercebem-se também da sua diversidade, o que as apoiará na curiosidade para a sua exploração. - Aprender “comportamentos de leitor” – a partir das observações que vão fazendo, as crianças vão-se apercebendo dos comportamentos típicos de um leitor e, posteriormente, quando estão a ver livros, utilizam esses mesmos comportamentos, de um modo cada vez mais sistemático e elaborado. - Apoiar no desenvolvimento de conceitos sobre a escrita – mesmo sem ser feito de uma forma escolarizada, as crianças aprendem muito sobre a escrita e as suas características nos momentos de leitura de histórias. Aprendem que o mesmo texto aparece sempre associado à mesma mensagem e que, qualquer que seja o leitor, a mensagem é sempre a mesma e pela mesma ordem (literalidade e linearidade da escrita). Apercebem-se também da orientação da escrita (esquerda/direita e de cima para baixo), das relações entre a escrita e a oralidade (quando apontamos o que estamos a ler) e também que a mesma coisa se escreve sempre da mesma maneira (a palavra “fada” aparece sempre escrita do mesmo modo). Vão também começando a reconhecer algumas letras e alguns sinais de pontuação, de uma forma integrada e que lhes faz sentido. A leitura de histórias não só apoia a construção de sentido em torno da escrita, como também enriquece a interação da criança com a leitura. Para a construção de sentido terá de se ter cuidado com a escolha do livro, mas também com a adequação do discurso às particularidades de cada grupo ou criança. Assim, é importante não só o trabalho de preparação da leitura da história, como também a continuidade desse trabalho, as questões que se lançam e os apoios à sua compreensão. A riqueza das interações com a leitura promove-se também com as atividades que se podem desenvolver antes, durante e depois da leitura da história. Nem todas as histórias têm de ser exploradas do mesmo modo e com a mesma profundidade, até porque nem todas têm as mesmas características nem o mesmo interesse para a criança ou grupo. Além disso, a sua exploração pode também demorar alguns dias, sendo que uma exploração aprofundada de cada uma das histórias é completamente inviável. A leitura de histórias pode, assim, ser muito mais do que o cumprir de uma rotina de uma forma estereotipada e pouco rica. Ela pode ser uma atividade muito agradável, fonte de inúmeras reflexões e partilhas e um elemento central na formação de “pequenos leitores envolvidos” que conseguem aproveitá-la para irem muito mais além do que aquilo que está escrito nas páginas que a registam. Ambientes de aprendizagem promotores do envolvimento com a leitura De um modo geral, as ideias orientadoras para a organização dos ambientes educativos, quer no que toca à apreensão da funcionalidade quer no que diz respeito à emergência da escrita, são também relevantes para a promoção do envolvimento na leitura. A leitura e a escrita são normalmente atividades coordenadas e integradas em contextos funcionais e significativos. Deste modo, o que procuraremos aqui realçar são alguns tópicos que poderão ser mais direcionados para a leitura ou que poderão ter um enfoque um pouco mais específico. Assim, e como a vertente afectiva dos ambientes de aprendizagem não pode ser deixada para segundo plano, consideramos que: 1. O próprio ambiente deve encorajar a exploração e a reflexão sobre o escrito e a sua interpretação. Deste modo, deve transmitir confiança e segurança para que, livres de constrangimentos, as crianças se aventurem nas suas primeiras tentativas de leitura e de interpretação da escrita envolvente. 2. O ambiente deve ser promotor do prazer e da satisfação da leitura, sendo este um eixo preferencial a considerar. Para além da componente afetiva, devem também considerar-se as oportunidades de contacto e exploração da leitura e o papel dos diferentes adultos enquanto modelos e elementos incentivadores e de apoio. Assim, o ambiente de aprendizagem também deve ser: 3. Rico em oportunidades de interação com o texto escrito e estimulante, incentivando as explorações e as tentativas de interpretação do texto escrito, de um modo integrado e funcional, com tarefas ajustadas às vivências e rotinas do dia-a-dia. 4. Atento às particularidades, aos interesses e às etapas de desenvolvimento de cada um, encorajando os mais inibidos, apoiando os mais autónomos e servindo de modelo enquanto verdadeiro leitor envolvido que valoriza a leitura e a utiliza para fins diversos. 5. Promotor da articulação e interação com a família. Deve envolver as famílias nas suas práticas de leitura, incentivando a continuidade, diversidade e regularidade de diferentes leituras na família e da leitura de histórias. Nas famílias onde essas práticas são menos frequentes e consistentes, deve promover hábitos de leitura de histórias e a compreensão da importância da participação da criança nas leituras familiares do dia-a-dia (programação da TV, listas de compras, textos das embalagens, receitas, etc.). Ao longo do texto foram apresentados alguns exemplos de tarefas e atividades, que não esgotam todas as possibilidades a desenvolver. Também as sugestões de tarefas que apresentaremos em seguida devem ser encaradas como meros indicadores de possibilidades, que poderão ser alteradas e adequadas a cada contexto e que poderão fazer mais sentido em determinadas realidades do que noutras. Assim, eis algumas ações e tarefas possíveis a desenvolver, para além das já exemplificadas anteriormente: - Introduzir regularmente mensagens escritas ou indicações para as crianças num local previamente combinado. Essas mensagens poderão ter alguns facilitadores para a sua interpretação, como imagens ou símbolos conhecidos. Ex: Na sala Amarela, a educadora introduziu há pouco tempo uma nova rotina. Todos os dias afixa e partilha com as crianças aquilo a que chamam “mensagem diária”. Esta mensagem tem uma informação importante para aquele dia e serve para as crianças se irem lembrando do seu conteúdo ao longo do dia. Hoje levou uma mensagem escrita num cartão muito florido que dizia “Hoje começa a Primavera.” A educadora Isabel também partilha diariamente a mensagem da manhã com as crianças.Quando chega à sala, escreve-a no computador e esta fica a passar no screensaver. - Construir, com as crianças, ficheiros de imagens, onde cada imagem aparece associada à respetiva denominação. Assim, quando as crianças necessitarem de escrever alguma palavra poderão ir ao ficheiro e copiá-la e, sempre que quiserem, poderão lê-la e relê-la. - Cada criança faz a “coleção” das palavras que conhece, que são recortadas ou escritas pela própria criança, guardadas numa caixa ou coladas num caderno para esse efeito. Encorajar as crianças a partilhar as palavras da sua coleção com os amigos, a usá-las em frases, textos ou histórias escritas pelo adulto e até mesmo a tentar reproduzi-las quando quiserem. - Colecionar logotipos de vários restaurantes, supermercados, embalagens de cereais ou de outros produtos conhecidos das crianças. Incentivar a sua leitura e eventualmente construir um arquivo com eles. - Etiquetar cabides e materiais pessoais com os nomes das crianças, utilizar os nomes em diferentes contextos e rotinas e incentivar a sua identificação (mapas de presenças, mapas de aniversários, planeamento e escolha das atividades a desenvolver, tabela dos responsáveis da sala – responsáveis por pôr a mesa e contar os almoços, por tratar dos animais e regar as plantas, por ajudar a educadora ou, mesmo, pela biblioteca). - Valorizar as tentativas de escrita e incentivar as crianças para “lerem” as suas próprias escritas, no momento e posteriormente, promovendo assim a tomada de consciência, a mobilização das estratégias utilizadas e uma reflexão sobre a sua adequação, facilitando a emergência de novas estratégias. - Introduzir momentos de leitura coletiva, durante os quais as crianças procuram identificar algumas palavras que já conhecem e comparam as suas estratégias e conhecimentos. - Introduzir, a pouco e pouco, etiquetas na sala e efetuar, gradualmente, a sua exploração e utilização nas rotinas da sala ou no desenvolvimento de tarefas propostas. Podem também utilizar-se etiquetas temporárias, associadas a projetos ou tarefas específicas; por exemplo, quando se aborda a noção de medida e se comparam dimensões, ilustrando e registando essas situações, usando etiquetas com alto/baixo, comprido/curto, etc. - Criar oportunidades de correspondência com crianças de outros jardins-de-infância e de outros locais. A correspondência permite, entre muitas outras coisas, utilizar a leitura e a escrita de um modo interligado e com finalidades muito claras e bastante motivadoras. - Proporcionar, com frequência, momentos de leitura de histórias. Estes devem ser ricos em interações, proporcionando às crianças a oportunidade de identificarem o seu autor, o ilustrador e de, a partir do título da história, anteciparem o conteúdo. Podem também ser utilizadas diferentes estratégias que facilitem o acesso à compreensão da história, como, por exemplo, o relembrar do seu conteúdo, a organização das principais ideias e acontecimentos e o estabelecimento de ligações com outras histórias ou com as vivências das crianças. - Ler e explorar a mesma história mais do que uma vez. As leituras repetidas, para além de facilitarem o acesso à compreensão, proporcionam um sentimento de familiaridade e apropriação. Assim, as crianças terão disponibilidade para dedicarem a sua atenção a aspetos que inicialmente não tiveram em conta e para, eventualmente, considerarem também a estrutura da história e as palavras que a constituem. - Ler e facilitar o acesso a leituras de qualidade e diversificadas. - Promover momentos de leitura na família, criando um sistema de requisição de livros, combinando e orientando os pais na sua leitura partilhada com os filhos. Mesmo quando os pais não conseguem ler bem, é possível desenvolver estratégias, recorrendo a livros mais fáceis, a gravadores, ou a livros com um grande suporte de imagem. Em síntese: ler para as crianças, ler com as crianças e proporcionar múltiplas oportunidades de contacto e exploração da leitura, incentivando todas as suas tentativas de leitura. Um exemplo da prática A educadora Marta estabeleceu como uma meta prioritária para este ano letivo a dinamização da biblioteca da sala e das rotinas para a sua utilização. Até agora, tem tido sempre uma biblioteca na sala, mas considera que tem sido muito pouco aproveitada, tendo uma certa variedade de livros, mas sendo somente utilizada em momentos de transição de atividades, com pouca dinâmica e quase nula integração nas diversas atividades da sala. Assim, estabeleceu mudanças a três níveis: espaço físico e materiais, rotinas de utilização e objectivos da sua utilização. Espaço físico e materiais – As alterações a este nível foram profundas. Procurou instalá-la junto a uma janela, de modo que tivesse iluminação natural e junto ao “tapete”, porque, em momentos de utilização coletiva da biblioteca, podia juntar os dois espaços. Tornou-a mais confortável e acolhedora, aproveitando as antigas almofadas, mas fazendo alguns minipufes e arranjando dois pequenos sofás (improvisados a partir de caixas de madeira de fruta), entre os quais colocou um candeeiro (que estava numa arrecadação). Decorou a zona da biblioteca com a ajuda das crianças, que pintaram a reprodução das capas de alguns livros e de alguns dos heróis das suas histórias preferidas. Colocou um placar para irem afixando trabalhos, textos, informações e outras coisas relacionadas com a biblioteca, os seus livros e as leituras que iam fazendo. Com as crianças, classificou os livros e materiais de leitura por tipos e temas (histórias, poemas e rimas, pesquisa, etc., jornais e revistas), marcou-os com um código e uma cor diferente e destinou-lhes um lugar específico na estante, assinalado com a mesma cor. Além de introduzir mais materiais diferentes dos livros de histórias usuais (revistas, jornais, livros de receitas, lista telefónica, dicionário, etc.), procurou criar mecanismos de renovação e rotação dos livros e materiais de leitura na biblioteca. Assim, combinou com os pais que cada criança, regularmente, se pudesse e quisesse, traria para a sala e deixaria na biblioteca, durante uma semana, um livro de que gostasse para partilhar com os colegas. Estabeleceu um protocolo com a biblioteca municipal local, possibilitando a requisição regular de livros que ficariam durante alguns dias na sala. Foi catalogando e juntando à biblioteca da sala os livros que as crianças iam fazendo, fossem os livros que produziam na sequência de pesquisas, as histórias que criavam e ilustravam, ou outros livros sobre temas diversos. Rotinas de utilização – Nas suas rotinas semanais reservou alguns momentos para atividades na biblioteca, em pequeno e em grande grupo, durante os quais as crianças podiam partilhar a leitura de um livro, convidar alguém para lhes ler um livro, conversar sobre as características e componentes do mesmo, bem como sobre os seus autores e ilustradores, refletir sobre a utilização da biblioteca, etc. Para além disso, procurou incentivar a utilização de materiais da biblioteca para a realização de outras actividades ou mesmo para a resolução de situações do dia-a-dia (saber um número de telefone ou uma morada, descobrir o significado de uma palavra ou saber o estado do tempo). Com a participação das crianças estabeleceram-se as regras de funcionamento da biblioteca, que registaram e afixaram, relembrando-as regularmente. Nomearam-se, semanalmente, dois responsáveis pela biblioteca, que não só zelavam pela sua arrumação e conservação e pelo cumprimento das regras, como controlavam os livros novos emprestados à biblioteca e também as requisições e devoluções dos mesmos. Criaram-se cartões de leitor, com a identificação de cada um e um livro de registo de entradas e saídas, com uma página para cada criança, onde os responsáveis assinalavam, com a ajuda da educadora, a identificação do livro, a data de requisição e depois a data de devolução do mesmo. Os livros requisitados eram colocados numa sacola de pano personalizada com a identificação de cada criança, no respetivo cabide, para que à saída esta o levasse para casa. Dentro de cada sacola também estava o “Diário da Leitura” da criança em causa, no qual, com a colaboração dos pais, ela registava as leituras que fazia, o que gostava ou não e que também podia ilustrar (tudo foi antecipadamente combinado com os pais). Criou-se o “Hospital do Livro”, que era uma caixa onde se colocavam os livros que se começavam a estragar e que necessitavam de arranjo e onde era guardada uma tesoura, fita-cola, cola, papel autocolante transparente e outros materiais eventualmente necessários para o arranjo dos livros. Quando necessário, a educadora e os responsáveis da semana procediam à sua recuperação. Objectivos da sua utilização – Como objectivos prioritários, a educadora estabeleceu a promoção do gosto pela leitura e também de hábitos e rotinas consistentes de leitura e interação com o livro. Para isso, atuará por duas vias: a sala e a família das crianças. Quanto à sala do jardim-de-infância, espera que as rotinas estabelecidas, os momentos agradáveis de leitura partilhados no dia-a-dia e uma maior integração da leitura nas diversas actividades da sala contribuam para esses objetivos. Assim, procurará também proceder a uma descentralização dos materiais de leitura dentro da sala, como, por exemplo, tendo um livro de receitas na cozinha da casinha, umas revistas no consultório e uma lista telefónica junto ao telefone. Quanto à família, para além dos hábitos de leitura decorrentes da requisição dos livros, da sua leitura e registo a ela associado, irá procurar desenvolver alguns projetos específicos ao longo do ano, com a participação dos pais, de modo a valorizar as leituras feitas, a partilhar dificuldades e a promover novas atividades. Excerto de trabalho publicado em "À DESCOBERTA DA ESCRITA: TEXTOS DE APOIO PARA EDUCADORES DE INFÂNCIA", editado pelo Ministério da Educação - Direção Geral de Inovação e de Desenvolvimento Curricular, da autoria de Lourdes Mata (2008). Disponível AQUI. Fazem parte da nossa cultura popular e constituem um passatempo divertido para toda a família Adivinhas, lengalengas, trava-línguas, provérbios e outros recursos que nos chegam desde tempos imemoriais e atravessam gerações são uma das melhores ferramentas para trabalhar a linguagem/oralidade, a dicção e o vocabulário. Ajudam ainda a estimular a inteligência, a curiosidade e a desenvolver o raciocínio lógico, o pensamento crítico, a memória em geral e a auditiva em particular, bem como a discriminação dos vários sons da língua. Também melhoram a concentração, a flexibilidade e a agilidade mental... Os benefícios são múltiplos e fundamentais para a aprendizagem. Desde que a criança começa a falar, jogos de palavras como lengalengas e trava-línguas (com sons e dicção complicados) são não só divertidos como educativos. Ao repeti-los, a criança adquire domínio e rapidez na linguagem, além de pôr à prova as suas habilidades linguísticas. O melhor é começar lentamente e repetir a frase com a criança até que ela consiga reproduzi-la perfeitamente. Que será, que será? Qual é coisa, qual é ela? As adivinhas são outro dos jogos que mais despertam a curiosidade infantil. Com elas as crianças familiarizam-se com o meio que as rodeia, com o seu próprio corpo e com a natureza. Além disso, ao darem-se conta de que dominam a situação (conseguem adivinhar) ajuda a adquirir segurança em si mesmas. Outro passatempo muito divertido é "brincar" com os provérbios, ditados e expressões populares como "Levar gato por lebre" ou "A cavalo dado não se olha os dentes" e tentar descobrir o seu real significado. (veja AQUI uma lista de provérbios populares portugueses, agrupados por ordem alfabética). Compartilhem esta experiência em conjunto e aproveitem o jogo de forma a criar um ambiente propício para o desenvolvimento da imaginação, criatividade e intuição. O importante não é conseguir fazer tudo bem à primeira mas sim tirar partido do prazer da descoberta e da estimulação da aprendizagem, mesmo que necessitem de mais tempo para resolver um adivinha, decifrar um provérbio ou dizer um trava-línguas na perfeição. Caso o seu repertório não seja muito vasto nesta matéria, recorra a livros e/ou à Internet para se munir das ferramentas necessárias para dar início à brincadeira. Desfrutem em conjunto ou no caso de crianças que já saibam ler deixe que sejam elas a fazê-lo. Não esquecer que estas leituras deverão ser realizadas em voz alta. Para praticar A aranha arranha a rã. A rã arranha a aranha. Nem a aranha arranha a rã. Nem a rã arranha a aranha. Um ninho de mafagafas Com sete mafagafinhos Quando o mafagafa gafa Gafam os setes mafagafinhos. Debaixo da pipa está uma pita Pinga a pipa, pia a pita, Pia a pita, pinga a pita. Ver AQUI o livro Trava-línguas, de Luísa Costa Gomes e Jorge Nesbitt, editado pela Dom Quixote (Biblioteca de Livros Digitais) Este espaço tem uma função educativa e formativa, no âmbito da promoção da leitura e das aprendizagens. Texto: Palmira Simões © Tasia12 - Fotolia.com O Programa da Rede de Bibliotecas Escolares (RBE), lançado em 1996, tem como objetivo criar bibliotecas (atualmente são cerca de 2500) nas escolas, que funcionem como apoio às aprendizagens, ao desenvolvimento da literacia e à formação global dos alunos. Mais especificamente, a biblioteca escolar é um local onde são disponibilizados aos leitores os recursos necessários à leitura, ao acesso, uso e produção da informação em vários suportes: analógico, eletrónico e digital. Pretende-se que os estudantes, aqui, sejam motivados a descobrir e a alimentar o prazer de ler e de se informarem, a criar hábitos regulares de leitura, ao mesmo tempo que desenvolvem competências como pesquisar, selecionar, analisar, utilizar e criticar documentos. Desta maneira, a biblioteca escolar intenta ser um ambiente de aprendizagem permanente, através das suas práticas pedagogicamente inovadoras (atividades diferenciadas e sistemáticas) - que evoluam no tempo e se adaptem às mudanças que vão ocorrendo, nomeadamente a nível tecnológico, por exemplo -, e integradas nos projetos educativos de cada escola. Com caráter transversal aos vários níveis de ensino e por tudo o que esta diversidade pode proporcionar, constitui ainda uma mais-valia não só para a consolidação dos currículos, como para munir os seus frequentadores de ferramentas e de matéria formativa para o resto da vida, a nível de desenvolvimento pessoal e social. O seu grande desafio é, pois, fazer mais e melhores leitores, analíticos, não só consumidores de livros mas também de documentos digitais, ou seja, leitores autónomos capazes de utilizar os diferentes suportes de escrita com espírito crítico e interventivo. Uma chamada de atenção para a filosofia destas Bibliotecas: trabalham em rede, ou seja, em ambientes abertos, envolvendo-se com outras bibliotecas (escolares ou públicas) e também com a comunidade (incluindo famílias e outras instituições), o que muito contribui para as boas práticas da promoção da leitura. De referir ainda o papel dos docentes a quem proporcionam formação adequada (figura do professor bibliotecário), enquanto facilitadores e dinamizadores do funcionamento e das atividades e projetos da biblioteca. Hoje e cada vez mais é da maior pertinência “Formar para um uso crítico e esclarecido dos meios Imagem: © artenot - Fotolia.com Projetos de Educação e Leitura que envolvam a Imprensa permitem trabalhar diversas competências, entre as principais a Educação para os Media, a Educação para a Cidadania, a leitura e a escrita, o espírito crítico e a literacia, para além de dar a conhecer, principalmente às crianças que não tenham tido contactos anteriores com jornais e revistas, este tipo de suporte de leitura. Por outro lado, a exploração de um jornal, cujos temas são vastos, permite não só a análise da sua estrutura e conteúdo, como ainda abordagens multidisciplinares, não apenas relacionadas com a Língua Portuguesa como também a nível do Estudo do Meio e até da Matemática. Na verdade, nos dias de hoje, na era da globalização, em que a informação e a “reconstrução” da realidade por parte da comunicação social corre à velocidade da luz e nem sempre da forma mais ética, é importante preparar crianças e jovens para uma melhor reflexão sobre os media, tendo em conta que exercem neles uma cada vez maior influência na conceção e compreensão do mundo que os rodeia. O despertar para a importância dos Media na Educação não é de agora, sendo um assunto que tem vindo a lume principalmente ao longo das últimas décadas. Nos anos 80, a Associação da Imprensa Diária Portuguesa já havia avançado com uma campanha de sensibilização para a leitura de jornais destinada aos jovens, intitulada “Ler jornais é saber mais”. O programa “Público na Escola”, lançado em 1990 pelo jornal “Público”, também tinha o propósito, como pode ler-se no seu “Livro de Estilo”, de “contribuir para fomentar uma relação mais próxima entre a escola, a imprensa e os media em geral”. Em 2002, Jacques Gonnet referia a necessidade de se pensarem novos princípios de ensino, cuja tónica deveriam ser as motivações e interesses das crianças. Segundo este autor, haveria que planificar atividades pedagógicas que tivessem ligação com as experiências de vida dos mais novos, atividades essas onde os media deveriam estar incluídos. Mais recentemente, em abril de 2011, a Declaração de Braga - “Literacia dos Media” emergiu do 1º Congresso Nacional sobre Literacia, Media e Cidadania, tendo sido assinada por representantes da UNESCO e outras entidades, entre elas o Ministério da Educação, e em cujo Ponto 1 é realçado o facto de “A paisagem mediática tem conhecido nas últimas décadas transformações extraordinárias, com impactos significativos na educação, na cultura e na economia, afetando a vida quotidiana de todos os cidadãos”. Entre os seus vários objetivos e propostas encontra-se a exploração do entrosamento entre a literacia dos media e o currículo escolar. Posto isto, todos os programas de intervenção em educação e leitura que abranjam a Imprensa são extremamente úteis não só para a promoção da leitura, como da literacia, entre outras competências já referidas, com destaque para a construção de um conhecimento reflexivo sobre a realidade, que deve ser impulsionado desde a infância. O conto tradicional, mesmo nas suas formas mais modernas, tem um forte papel na formação © Valeriy Lebedev - Fotolia.com Mas como se relacionam estes contos com o inconsciente infantil e com o desenvolvimento psicológico da criança? O psicólogo norte-americano Bruno Bettelheim explanou a sua perspetiva no livro "Psicanálise dos Contos de Fadas", editado em Portugal pela Bertrand, de que lhe trazemos aqui este excerto. Os contos de fadas e o dilema existencial Em ordem a dominar os problemas psicológicos do crescimento (ultrapassagem das feridas narcísicas dos conflitos edipianos, das rivalidades fraternas, das dependências infantis; obtenção de um sentimento de personalidade e valor próprio e um senso de obrigação moral), a criança precisa de compreender o que se passa no seu consciente de forma a que possa enfrentar o que se passa no seu inconsciente. Ela pode conseguir este entendimento e, com ele, a capacidade de apontamento, não através de uma compreensão racional da natureza e do conteúdo do seu inconsciente, mas familiarizando-se com este por meio de devaneios — ruminando, reajustando e fantasiando elementos adequados para responder a tensões inconscientes. Procedendo assim, a criança acomoda o conteúdo inconsciente a fantasias conscientes, que então lhe permitem lidar com esse conteúdo. É aqui que os contos de fadas têm um valor ímpar, porque oferecem à imaginação da criança novas dimensões que seria impossível ela descobrir só por si. Mais: a forma e a estrutura dos contos de fadas sugerem à criança imagens através das quais ela pode estruturar os seus devaneios, e com isso orientar melhor a vida. Na criança ou no adulto, o inconsciente é um poderoso determinante do comportamento. Quando o inconsciente é reprimido e ao seu conteúdo é negada a consciencialização, então o espírito consciente da pessoa acabará finalmente por ficar em parte esmagado pelos derivativos destes elementos inconscientes, ou então, ela será forçada a manter um controle tão rígido e compulsivo sobre os mesmos que a sua personalidade poderá vir a ser gravemente afetada. Mas quando se permite que material inconsciente, em certa medida, atinja a consciência e possa ser elaborado através da imaginação, o seu potencial para fazer o mal — a nós próprios ou a outros — torna-se muito reduzido; algumas das suas forças podem então ser dirigidas para fins positivos. Contudo, a crença paternal dominante é que a criança tem de ser poupada daquilo que mais a perturba: as suas angústias sem forma nem nome, as suas fantasias caóticas, enfurecidas, ou mesmo violentas. Muitos pais acreditam que só a realidade consciente ou imagens agradáveis e que satisfaçam os nossos desejos devem ser oferecidos à criança — que ela deve ser exposta somente ao lado belo das coisas. Porém, um tal alimento unilateral nutre o espírito também só unilateralmente, e a vida real não é toda bela. Há uma recusa muito generalizada em deixar as crianças saberem que a fonte de muito do que vai mal no mundo é devido às nossas próprias naturezas — a propensão que todo o homem tem para agir agressivamente, associalmente, egoistamente, por raiva ou angústia. Em vez disso, queremos que os nossos filhos acreditem que todos os homens são bons por natureza. Mas os miúdos sabem que eles não são sempre bons; e muitas vezes, mesmo quando o são, prefeririam não o ser. Isto vem contradizer o que os pais lhes dizem, o que faz com que a criança se veja a si própria como um monstro. A cultura dominante deseja aparentar, especialmente no que diz respeito às crianças, que o lado sombrio do homem não existe, declarando acreditar num «melhorismo» otimista. A própria psicanálise é encarada como tendo por fim tornar a vida fácil — mas isso não era a intenção do seu fundador. A psicanálise foi criada para habilitar o homem a aceitar a natureza problemática da vida sem ser vencido por ela ou sem se entregar à fuga sistemática. A «receita» de Freud é que só através da luta corajosa contra o que parecem ser esmagadoras contrariedades é que o homem pode chegar a encontrar um sentido para a sua existência. É esta exatamente a mensagem que os contos de fadas trazem à criança, por múltiplas formas: que a luta contra graves dificuldades na vida é inevitável, faz parte intrínseca da existência humana — mas que se o homem se não furtar a ela, e com coragem e determinação enfrentar dificuldades, muitas vezes inesperadas e injustas, acabará por dominar todos os obstáculos e sair vitorioso. Os contos modernos para crianças evitam sobretudo os problemas existenciais, ainda que estes sejam questões cruciais para todos nós. A criança precisa muito especialmente de sugestões, em forma simbólica, sobre como lidar com estes obstáculos para chegar sem risco à maturidade. As histórias «inócuas» não mencionam a morte ou a velhice, nem os limites da nossa existência ou o desejo de uma vida eterna. O conto de fadas, pelo contrário, confronta a criança sem rodeios com as exigências básicas do homem. Por exemplo, muitos contos de fadas começam com a morte da mãe ou do pai; nestes contos, a morte cria problemas angustiantes, como a própria morte, ou o medo dela, o faz na vida real. Outros contos falam de um pai idoso que decide que chegou a altura de a nova geração tomar as rédeas. Contudo, antes que isso aconteça, o sucessor tem de provar ser capaz e digno. O conto dos irmãos Grimm "As Três Penas" começa assim: «Era uma vez um rei que tinha três filhos... Quando o rei já estava velho e fraco, pensando no seu fim, não sabia qual dos filhos deveria herdar o seu trono.» Para se decidir, o rei dá aos filhos uma tarefa difícil; o filho que melhor a desempenhar «será rei depois da minha morte». É característico dos contos de fadas expor um dilema existencial, concisa e diretamente. Isto permite que a criança enfrente logo o problema na sua forma mais essencial, ao passo que um enredo mais complexo seria para ela mais confuso. O conto de fadas simplifica todas as situações. As suas personagens são definidas com clareza; e os pormenores, a não ser que sejam muito importantes, são eliminados. Todos os carateres são mais típicos que invulgares. Contrariamente ao que acontece nos modernos contos para crianças, tanto a maldade como a virtude se encontram omnipresentes nos contos de fadas. Em praticamente todos os contos de fadas o bem e o mal aparecem sob a forma de algumas personagens e suas ações, tal como o bem e o mal estão omnipresentes na vida e as propensões para ambos se encontram em cada homem. É esta dualidade que põe um problema moral e exige um luta para a resolver. O mal não deixa de ter os seus atrativos — simbolizados pelo poderoso gigante ou pelo dragão, pelo poder da bruxa, da astuta rainha em Branca de Neve — e muitas vezes está temporariamente em ascendência. Em muitos contos de fadas o usurpador consegue, por algum tempo apoderar-se do lugar que, por direito, pertence ao herói — como as maldosas irmãs n' A Gata Borralheira. Não é o facto de o malfeitor ser castigado no fim da história que faz com que os contos de fadas sejam uma experiência de educação moral, ainda que isso também seja uma parte da questão. Nos contos de fadas, como na vida, o castigo (ou o medo dele) é somente uma dissuasão limitada para o crime. A convicção de que o crime não compensa é uma dissuasão muito mais eficaz, e é por isso que nos contos de fadas os maus perdem sempre. Não é o facto de a virtude ganhar no fim que promove a moralidade, mas sim o facto de que o herói é extremamente simpático para a criança, a qual se identifica com ele em todas as suas lutas. Por causa desta identificação, a criança imagina que sofre com o herói todas as suas provações e tribulações, triunfando com ele quando a virtude triunfa também. A criança faz tais identificações por si própria, e as lutas interiores e exteriores do herói gravam nela a moralidade. As personagens dos contos de fadas não são ambivalentes — não são boas e más ao mesmo tempo, como na realidade o somos. Mas uma vez que a polarização domina o espírito da criança, ela domina também os contos de fadas. Uma pessoa é boa ou má, sem meios-termos. Um irmão é estúpido, outro inteligente. Uma irmã é virtuosa e trabalhadora, a outra vil e preguiçosa. Uma é bela, as outras feias. Um dos pais é todo bondade, o outro maldade. A justaposição de personagens opostas não tem por fim pôr ênfase ao «bom» comportamento, como seria o caso nos contos de advertência. (Há alguns contos de fadas amorais em que o bem e o mal, a beleza e a fealdade não têm qualquer papel.) Estas personagens polarizadas permitem à criança compreender facilmente a diferença entre ambos os pólos, coisa que ela não poderia fazer facilmente se os protagonistas fossem desenhados mais próximos da realidade, com todas as complexidades que caracterizam as pessoas reais. As ambiguidades têm de esperar até que se tenha estabelecido uma personalidade relativamente firme com base em identificações positivas. Só então é que a criança tem bases para compreender que há grandes diferenças entre as pessoas e que, portanto, tem de fazer uma opção sobre aquilo que quer ser. Esta decisão básica, sobre a qual todo o desenvolvimento posterior da personalidade será erigido, é facilitada pela polarização do conto de fadas. Mais: as preferências da criança baseiam-se não tanto na oposição entre o bem e o mal como em quem desperta a sua simpatia ou a sua antipatia. Quanto mais simples e boa for uma personagem, mais fácil será para a criança identificar-se como o herói bom não por causa da sua bondade, mas porque a situação do herói encontra nela um eco profundo e positivo. Para a criança, a questão não é «Quero ser bom?», mas sim, «Com quem me quero parecer?» A criança decide isso com base na sua completa projeção numa personagem. Se esta é uma boa pessoa, então a criança decide que ela também quer ser boa. Os contos de fadas amorais não mostram polarização ou justaposição de pessoas boas e más porque têm uma finalidade inteiramente diferente. Contos ou personagens como O Gato das Botas, em que o herói é bem sucedido através das batotas que faz, e Jack, que rouba o tesouro do gigante, não propõem opções entre o bem e o mal. Mas proporcionam à criança a esperança de que mesmo os fracos podem triunfar. Afinal, para que é que serve ser uma boa pessoa quando um tipo se sente tão insignificante que acha que nunca chegará a ser alguém? A moralidade não é o objetivo destes contos, mas sim o sentimento de que é possível ser bem sucedido na vida. Respondem assim a um importantíssimo problema existencial: a questão de se encarar a vida com confiança, na possibilidade de enfrentar e resolver as dificuldades ou, pelo contrário, com o sentimento antecipado da derrota. Os profundos conflitos interiores, que têm origem nas nossas pulsões primitivas e nas nossas emoções violentas, são denegados na maioria da moderna literatura infantil, e desta forma a criança não encontra aí apoio na sua elaboração desses sentimentos. Mas a criança é sujeita a sentimentos desesperados de solidão e abandono, e frequentemente sente uma angústia mortal. As mais das vezes, não sabe exprimir tais sentimentos por palavras, ou só o pode fazer por forma indireta: tem medo da escuridão ou de algum animal, sente angústia pelo seu corpo. Uma vez que reconhecer estas emoções nos filhos cria mal-estar nos pais, eles tendem a ignorar ou a minimizar esse receios, com base na sua própria angústia, pensando que isso acalmará o medo manifestado pelas crianças. O conto de fadas, pelo contrário, leva muito a sério estas angústias e dilemas existenciais e aborda-os diretamente: a necessidade de nos sentirmos amados e o medo de que pensem que não prestamos para nada; o amor pela vida e o medo da morte. Além disso, o conto de fadas oferece soluções que a criança pode apreender no seu nível de compreensão. Por exemplo, os contos de fadas põem o problema do desejo da vida eterna, concluindo ocasionalmente: «Se eles não morreram, ainda estão vivos.» Outros acabam assim: «E viveram felizes para todo o sempre.» Contudo, não levam a criança a acreditar, nem por um instante, que a vida eterna é possível. Mas indicam a única coisa que pode suavizar os estreitos limites da nossa passagem por este mundo: a formação de uma ligação verdadeiramente satisfatória com outrem. Os contos de fadas ensinam que através das ligações afetivas com outra pessoa atingimos a suprema segurança emocional e conseguimos as relações mais permanentes que estão ao nosso alcance; e só isto pode dissipar o medo da morte. Se encontramos o verdadeiro amor adulto, diz-nos também o conto de fadas, então não precisamos de desejar a vida eterna. Isto é sugerido por outro final: «Eles viveram por muito tempo, felizes e contentes.» As pessoas mal informadas sobre o conto de fadas veem neste tipo de final a satisfação de um desejo infantil irrealista e escapa-lhes completamente a importante mensagem que é dirigida à criança. Estes contos dizem-lhe que, através da formação de uma verdadeira relação interpessoal, pode escapar à angústia da separação que a persegue (angústia essa que constitui o cenário de muitos contos de fadas e acaba por ser sempre bem resolvida no fim da história). Mais: a história diz-nos que este final não se torna possível (tal como a criança deseja e acredita) se uma pessoa se agarrar à mãe eternamente. Se tentarmos escapar à angústia da separação e da morte agarrando-nos desesperadamente aos nossos pais, acabaremos por ser cruelmente postos na rua, como Hansel e Gretel. Só saindo para a vida é que o herói (a criança) pode encontrar-se; e deste modo encontrará também «outrem» com quem poderá viver feliz para sempre (isto é, sem ter de sentir outra vez a angústia da separação). O conto de fadas é orientado para o futuro e guia a criança (em termos que ela possa entender tanto do ponto de vista do seu psiquismo consciente como do seu inconsciente) no sentido de renunciar aos seus desejos de dependência infantil e realizar uma existência independente mais satisfatória. As crianças de hoje já não crescem na segurança de uma grande família ou de uma comunidade bem integrada. Assim, mais ainda do que no tempo em que foram inventados os contos de fadas, é importante fornecer à criança moderna imagens de heróis que têm de se lançar no mundo sozinhos e que, apesar de não saberem à partida como é que as coisas se vão resolver, acham lugares seguros no mundo, seguindo para a frente com profunda confiança interior. O herói dos contos de fadas tem um percurso solitário durante uns tempos, tal como a criança moderna frequentemente se sente isolada. O herói recebe ajuda porque está em contacto com coisas primitivas — uma árvore, um animal, a natureza —, tal como a criança se sente em contacto com estas coisas, mais do que a maioria dos adultos. O destino destes heróis convence a criança de que, como eles, se pode sentir abandonada no mundo, tateando no escuro; mas, como eles, no decorrer da sua vida será guiada passo a passo, e receberá ajuda quando necessário. Hoje, mais do que noutros tempos, a criança precisa da confiança oferecida pela imagem do homem isolado, que todavia é capaz de estabelecer relações significativas e compensadoras com o mundo que o rodeia. Do ponto de vista do autor José Manuel Sánchez-Fortún, a Literatura Infantil é um corpus de textos que se adequa ao desenvolvimento global da criança. Por Palmira Simões Imagem: Dreamstime.com Na verdade, as relações entre leitura e desenvolvimento infantil têm sido alvo de muitos estudos ao longo das últimas décadas, tendo como ponto de partida o modelo de estádios do desenvolvimento humano de Piaget. Outros contributos têm vindo a ser acrescentados a este modelo de estrutura, não só a nível de cognição, mas também de afetividade, de relacionamento interpessoal e socialização, de papéis sociais, tudo fatores que, como refere outro autor, J. A. Appleyard, "vão determinar os laços particulares que se estabelecem com o objeto livro e com a leitura". Tendo em conta estes princípios, quais os livros adequados a cada criança? No que respeita ao desenvolvimento psicológico (partindo do modelo de Piaget de quatro estádios) e interesses de leitura, o professor Juan Cervera diz o seguinte: 1. Estádio sensório motor (até aos dois anos de idade): rimas infantis, álbuns simples com imagens e livros-jogo. 2. Estádio pré-operacional (dos 2 aos 7), fase da função simbólica e de aquisição da linguagem, com características de egocentrismo, realismo e animismo, no qual se desatacam dois sub-períodos - o pré-conceptual (2-4 anos) e o intuitivo: contos, fábulas, livros de imagens em que o texto vá assumindo cada vez mais importância. As atividades de leitura devem propiciar imitação com inclinação para o jogo dramático. 3. Estádio das operações concretas (dos 7 aos 11/12 ) caracterizado por uma progressiva interiorização do real, num processo que vai levar ao pensamento lógico. Raciocínios ligados ao concreto: leitura fantástico-realista, contos maravilhosos e fantásticos, aventuras, interesse pela vida dos animais, por outros países e povos, ciência, enfim, pelo conhecimento do mundo. 4. Estádio das operações formais (dos 11/12 aos 15), em que se dá uma libertação do concreto e se começa a aceder ao real. Início do pensamento hipotético-dedutivo, capacidade de síntese, individualização e generalização: obras de maior extensão e complexidade, de mistério e aventura, novelas de ação e romances (género preferido mais pelas raparigas). Os fatores de socialização e a dimensão sociocultural ligados à leitura defendidos por Appleyard devem igualmente ser tidos em conta porquanto são significativos, nomeadamente o papel da escola e das bibliotecas escolares ou públicas, da família, os projetos de incentivo à leitura. Ainda em termos da leitura ligada ao desenvolvimento infantil, não se pode deixar de referir o fenómeno estético, patente no conceito de Literatura Infantil, nomeadamente de Juan Cervera, ao referir que esta integra todas as manifestações e atividades com base em finalidades artísticas ou lúdicas que interessem à criança. A arte, o belo são também atributos referidos pelo autor Jesualdo Barbosa - ‘‘a criança gosta do que é belo‘‘ – no sentido de que a Literatura Infantil deve ser rica linguisticamente, nas experiências que transmite e nos sentidos que gere, como também defende a professora de Literatura Infantil, Raquel Villardi. Salienta-se ainda o papel socializador da Literatura Infanto-juvenil enquanto difusora de modelos e valores numa fase de construção da personalidade do leitor, valores que deverão ser, segundo a especialista Mercedes del Manzano, positivos, numa linha humanista e personalizadora, favorecendo a interiorização dos princípios universalizantes de justiça, tolerância, solidariedade e cooperação. Sobre os papéis sociais que a cultura dominante atribui ao leitor em desenvolvimento, Appleyard, distanciando-se dos modelos de Piaget, destaca cinco: o leitor como player (ouvinte, ator, fase pré-escolar); leitor como herói ou heroina (a criança que se assume como figura central do enredo, normalmente no 1º e 2º ciclos); leitor como pensador (período pré-adolescência; leitor como intérprete (o que estuda literatura); e leitor pragmático (idade adulta). |
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