Pelas mais diversas razões, com as dificuldades financeiras no topo da lista, as últimas décadas têm-se pautado pelo decréscimo da fecundidade – situando-se atualmente na média de 1,37 filhos por mulher em idade fértil. Redvisualg/Stock.xchng Há quem rotule os filhos únicos de mimados, caprichosos, egoístas, autoritários, egocêntricos, instáveis, emotivos e rebeldes mas também são muitos os especialistas que saltam em sua defesa. O psicólogo Marcelino Mota é um deles: “Ser filho único não envolve nenhuma profecia desagradável e, embora existam estudos algo contraditórios, sugere-se, hoje em dia, que, mercê das grandes modificações sociais e de comunicação que se têm vindo a observar desde os anos sessenta do século passado, o padrão comportamental e afetivo destas crianças se tem vindo a aproximar daquelas que pertencem a fratrias alargadas”. Nos dias que correm, mais do que nunca, um dos maiores desafios que os pais têm pela frente é educar um filho, qualquer que seja a etapa do seu crescimento. Quando a criança não tem irmãos, esta função pode parecer mais exigente ainda, mas não necessariamente. Há apenas alguns pontos que requerem maior atenção. A saber: - Não superproteger a criança, de modo a não criar laços obsessivos ou de excessiva dependência. - Dar-lhe espaço para que se desenvolva de forma saudável. - O contacto com outras crianças e com outros adultos para além dos pais deve ser fomentado. - O valor da partilha e da solidariedade deve ser incentivado. - A educação não tem de ser mais rígida nem mais condescendente do que aquela que teria se tivesse outros irmãos. - Para além disto, é igualmente importante que os pais tenham o seu próprio espaço, quer para o seu desenvolvimento individual quer enquanto casal. A partir daí, tudo funcionará melhor. Nada de transcendente, pois não? Alguns pais ajudaram-nos também a compreender melhor a tarefa de educar um filho único. A Mariana tem seis anos, irmãos ainda não há e por isso é a princezinha da casa. Sobre si recaem todos os mimos do mundo, quer dos pais, quer dos avós. É realmente uma menina sensível, que não gosta muito de partilhar as suas coisas quando se encontra em casa, embora na escola esse problema não se coloque. “Ela gosta de estar com amigos e até fica diferente. Sendo o centro da nossa atenção, isso torna-a um pouco mais mimada. Mas nada que não se ultrapasse, até porque fomentamos muito o contacto com outras crianças da idade dela. É raro o dia em que quando a vou buscar à escola não traga uma amiga para ficarem a brincar até à hora do jantar. Além disso, incentivamo-la muito a partilhar”, conta a mãe, Cristina, 33 anos. De tal forma que a menina, além de pedir todos os dias um irmão guarda religiosamente a sua roupa e brinquedos para quando isso acontecer. Mimos a mais não impedem uma boa educação. Estes são apenas alguns dos valores que esta mãe procura incutir na filha. Além disso, desde cedo que “procuro estabelecer limites, digo não quando é preciso, resisto à tentação de lhe comprar coisas em demasia e que tento levá-la a perceber que não é centro do universo”, acrescenta. É na verdade fundamental para o normal desenvolvimento da criança que os pais não centralizem todas as suas atenções no filho e que pensem também em si próprios. Cláudia Morais, terapeuta familiar, vai mais longe: “Não raras vezes confronto-me com casais que vivem praticamente toda a infância dos filhos centrados no seu papel de pais (em detrimento do papel conjugal e até individual). Este tipo de atitude pode condicionar a educação da criança, na medida em que esta se torna demasiado dependente dos progenitores. No entanto, não concordo com a ideia de que os filhos únicos (com pais separados ou não) sejam automaticamente mais sensíveis ou caprichosos. A chegada de um irmão implica que os pais sejam forçados a ensinar ao filho mais velho a importância da partilha e outros valores. Mas mesmo que um casal decida ter apenas um filho, é possível transmitir esse mesmo tipo de valores. Infelizmente conheço alguns casos de crianças que foram educadas no seio de famílias com dois ou três filhos e que não conhecem sequer o valor da partilha”. A Constança tem 12 anos e vive só com a mãe, Patrícia, de 41 anos. Do pai não tem referências, pois não há qualquer tipo de contacto. Apesar deste revés, que a obrigou a tornar-se madura mais cedo, e desta relação ‘fechada’ e centrada na figura da mãe, isso parece não se refletir negativamente na sua personalidade. Orgulhosa, Patrícia revela: “É uma miúda fantástica, decidida, com objetivos muito definidos e muito compreensiva. Nunca fez birras nem impôs a sua vontade. É verdade que é muito absorvente em termos de atenção e mimos mas isso não a transformou numa menina mimada nem caprichosa. Antes pelo contrário, nunca teve problemas em dividir as suas coisas com outros meninos, embora seja muito ciosa do seu espaço, e está sempre pronta a ajudar”. Tempos houve em que Constança pedia um irmão, até porque foi sempre muito maternal com os miúdos mais novos. Mas nunca viu esse seu desejo realizado dada a situação da mãe que, traumatizada com a forma como a separação decorreu, não voltou a refazer a sua vida. Esta é uma situação muito comum. “Em Portugal, depois de um divórcio, os filhos ficam normalmente a cargo da mãe, o que pode implicar uma mudança de atitude quanto à hipótese de ter mais filhos numa relação posterior. Este tipo de comportamento baseia-se principalmente na desilusão associada à queda do projecto familiar. Muitas mulheres evitam ter mais filhos receando que as crianças possam passar pelo mesmo a que o filho mais velho esteve exposto”, explica Cláudia Morais. Não é fácil ser pai e mãe ao mesmo tempo, mas Patrícia enfrentou o seu destino com obstinação e foi bem sucedida. Sem precisar de tirar coelhos da cartola. “Só usei o bom senso. É preciso estar-se sempre disponível para ouvir, para falar, há que ralhar quando é necessário e, sobretudo, ter todos os sentidos alerta. Sou rígida no sentido de a responsabilizar, de lhe incutir respeito – quer por ela própria e pelas suas coisas, quer por mim, pelo meu espaço e individualidade – mas também lhe dou muito carinho”. No seu caso de mãe divorciada e sem apoio do ex-marido seria fácil cair no erro de superproteger a filha mas, mais uma vez, soube agir corretamente: “É verdade que me preocupo muito. Quem não se preocupa nos dias de hoje, com tudo o que vemos e ouvimos à nossa volta? Mas também sei que tenho de ser condescendente, de lhe dar asas. Nunca lhe impus nada, contudo, não deixo de lhe explicar o que acho ser melhor para ela e porquê, dando-lhe exemplos práticos das realidades da vida”, revela. Já a história do Nuno, de 11 anos, é aquilo a que se pode chamar de um ‘caso genético’: os pais e uma das avós são, também eles, filhos únicos. Paula, 41 anos, e Rui, de 44, vivem e sempre viveram numa aldeia. De certo modo isolados, portanto. Mas ao contrário do que se possa pensar, nunca sentiram desejo de ter irmãos, pois ambos tinham muitos amigos e a convivência era grande entre todos. Desde muito cedo. O mesmo não se passa muitas vezes nas grandes cidades, em que as pessoas vivem fechadas em suas casas, o que dificulta o convívio fora de portas. Apesar de os tempos serem outros, mesmo nas aldeias, o Nuno ainda brinca muito com os vizinhos e, claro, durante o tempo que está na escola. Tal como os pais, também ele nunca pediu para ter irmãos, pois não sente necessidade. Mesmo assim, para minimizar a situação, os pais fazem tudo “para que se integre, participe e faça amigos. É que ele raramente toma a iniciativa, pois é muito tímido. Além disso, em casa e enquanto família, brincamos muito. Parecemos todos irmãos”. Paula e Rui optaram por não ter mais filhos. Estavam bem assim. E estão. O jovem é comunicativo, brincalhão, enfim uma criança feliz. Traços menos positivos da sua personalidade: gosta de contrariar, de ter a última palavra, de ser o líder da família. Será por ser filho único? Nada de rótulos nem estigmas. Afinal, mesmo com irmãos, quem não tem algum mau feitio? Esta mãe não tem receitas para educar o filho porque tudo depende das situações e das circunstâncias. Mas uma coisa é certa “temos de nos munir de muita paciência e procurar incutir-lhe disciplina e boa educação quer para com ele, quer para com os outros. E mesmo que não o queiramos, por vezes temos de ser rígidos”, explica. À laia de conclusão, Marcelino Mota dá-nos um mote: “quando bem acompanhado familiar e socialmente, para além, como já se disse, de não ser nenhuma adversidade, o facto de se ser filho único também tem as suas vantagens”. FreeDigitalPhotos.net Superprotector/a, eu? Principalmente quando se tem apenas um filho, há tendência para os pais o protegerem em demasia e quase nunca o admitem. Nada mais errado. Saiba o que fazer para evitar a superproteção. Marcelino Mota dá-lhe uma ajuda: - Use e abuse do bom senso. - Tenha a noção do quanto essa atitude ansiosa é prejudicial não só para o seu filho como também para a relação familiar. - Dê-lhe liberdade (controlada) para agir e transmita-lhe o sentido da responsabilidade e da independência. Deixe o seu filho “voar”. - Pais controladores, que estão sempre “em cima”, têm tendência para mais tarde vir a “cobrar” essa preocupação excessiva, querendo que os seus filhos ajam da mesma maneira, o que não é saudável. - Se a ansiedade for demasiada, tente autocontrolar-se, recorrendo a livros, a pessoas com experiência e até a especialistas que o ajudem. Opção filho único: as principais razões Segundo a socióloga Vanessa Cunha são vários os motivos que levam as mulheres – e os casais - a não optarem pela vinda de um segundo filho. - Constrangimentos materiais, nomeadamente dificuldades económicas para ter uma casa maior, para a educação, etc. Tendo em conta o custo demasiado elevado da educação, a instabilidade laboral e a falta de apoios sociais, principalmente nos tempos de crise que se atravessam a que se junta o desemprego, uma segunda maternidade fica posta fora de questão.- Falta de disponibilidade pessoal. Por exemplo, dificuldades em conciliar o universo familiar com o profissional, falta de tempo, de paciência, de suporta familiar, entre outras razões. - Idade avançada. A carreira e a espera por melhores condições financeiras remete a maternidade para idades cada vez mais tardias. Resultado, o ‘relógio biológico’ impede a vinda de outro bebé. - Problemas de saúde da mãe, que impossibilitam uma nova gravidez. - Satisfação com a descendência. São muitos os casais que não desejam ter mais filhos. - Problemas com os filhos ou com o cônjuge. Questões de saúde ou de mau relacionamento condicionam o aumento da descendência. Prós e contras Embora, como já referimos, não haja propriamente comportamentos ou traços da personalidades exclusivos dos filhos únicos, na opinião de Marcelino Mota, talvez continuem a ser válidos alguns dados que podem tornar-se em desvantagens. Mas também há vantagens. Prós - A atenção, dedicação e os vários apoios (dos emocionais aos financeiros) recebidos dos pais, avós, outros familiares, etc. tendem a ser maiores. - Probabilidade, pelo menos estatisticamente, de manifestar um maior desenvolvimento intelectual e cultural para a sua idade, em comparação com aqueles que têm irmãos. Contras - Observação de maiores dificuldades de adaptação e integração social, com dificuldades de relacionamento no mesmo nível etário. - Maior instabilidade emocional, com timidez, solidão e comportamento caprichoso. - Maior dificuldade de partilha. - Existência frequente de laços obsessivos e de excessiva dependência dos pais que, mais tarde e em alguns casos, se transformam em rebeldia e ruptura com a família, por exemplo. Truques para o educar Mais importante do que as palavras, são as ações que marcam a diferença. Bastam por vezes pequenas coisas. Tome nota destes conselhos: - Mostre-lhe que nem tudo é só dele, incutindo-lhe valores, como o da partilha. Misture-o com primos, vizinhos, colegas de escola mas dentro do ambiente da própria casa, nomeadamente do seu quarto, para fomentar o espírito de partilha, ajudar a gerir o sentimento de frustração que a criança possa sentir por não ter normalmente outras crianças em casa e, logo, evitar o isolamento e a solidão. - Quando for altura de se libertar dos primeiros brinquedos não os deite fora. Faça uma seleção em conjunto com o seu filho para dar às crianças necessitadas e vão ambos levá-los a uma instituição de caridade. Uma forma de espevitar o espírito da solidariedade desde muito cedo. - Se ele gosta de desporto, deve optar-se pelos desportos em equipa, como o futebol ou o basquetebol, por exemplo, e evitar os individuais. De igual modo, inscreva-o num grupo de escoteiros, ou outro que exija atividades em conjunto. - Lembre-se de que ele precisa de autonomia: deixe-o dormir em casa de amigos ou colegas, por exemplo. - Dê-lhe um animal de estimação, do qual possa ajudar a cuidar. Será não só uma companhia como também lhe aguçará o sentido da responsabilidade. - Evite que o seu filho seja o “depósito" das suas expetativas. Isso poderá torná-lo ansioso e fazê-lo sentir-se frustrado se não conseguir atingir os objetivos traçados pelos pais. Ajude-o a tomar as suas decisões em algumas coisas e deixe-o decidir por si noutras.
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