Dores de garganta e de ouvidos, "ranho" no nariz e outras afeções são muito comuns no outono-inverno. A frequência da escola vem reforçar o perigo de contágio de muitas delas. Como prevenir e tratar? José Saraiva, médico especialista em Otorrinolaringologia, responde às nossas questões P - Vamos entrar no Outono e com ele o regresso às aulas. Quais as doenças dos ouvidos, nariz e garganta mais prevalentes nesta altura do ano e o que fazer para as prevenir? R - A chegada do Outono e o regresso às aulas inicia um tempo em que as crianças ficam mais susceptíveis a um conjunto de infeções. Estamos a falar de otites, amigdalites, rinossinusites e adenoidites. Normalmente estas infeções começam no nariz, mais concretamente nos adenoides, tendo visibilidade no que mais vulgarmente se chama “as crianças ranhosas”. Quando esta infeção persiste, pode acontecer estender-se aos ouvidos, provocando otites, ou prolongar-se à garganta, causando amigdalites, ou em direção à laringe, traqueia e brônquios, originando laringo-traqueites ou bronquiolites. A prevenção destas situações nem sempre é possível, mas uma consulta médica no início deste período de risco pode permitir adequar, a cada criança, um conjunto de medidas preventivas que podem minimizar o aparecimento ou agravamento destas situações. P – O “ranho” no nariz que acompanha constantemente as crianças mais pequenas nessas alturas do ano, por vezes meses a fio, significa o quê e como se pode tratar? R – O muco nasal a que vulgarmente chamamos “ranho” faz parte do funcionamento normal do nariz ajudando na humidificação e na retenção de partículas no ar inalado. Quando as fossas nasais inflamam, o nariz produz mais muco do que o habitual e há uma alteração na normal drenagem do muco para a garganta. Uma vez que este muco é um excelente meio de cultura para bactérias e vírus, quando o muco sai pelo nariz pode contribuir para a transmissão de infeções, sendo que o modo de transmissão mais importante é através das nossas mãos. Assoar regularmente e lavar as fossas nasais com soro fisiológico, nas crianças que ainda não sabem assoar-se, são procedimentos importantes, não esquecendo que o lavar bem as mãos depois de se assoar é a forma mais eficaz de prevenir a transmissão destas infeções. P – Que sintomas a nivel do nariz, garganta e ouvidos deverão alertar ou exigir uma ida ao médico urgente? R – A febre é um sinal de alerta muito importante nas crianças e a sua persistência para além das 48 a 72 horas deve justificar a ida a uma consulta médica na procura de tratar a causa. Também a existência de dor nos deve alertar, pois pode significar um foco de infeção. Podemos evidenciar a situação das amigdalites em que a dpr de garganta pode provocar dificuldades de alimentação e o caso das otites, em que a dor é muitas vezes intolerável e só alivia com tratamento adequado P – Há doenças que se não forem tratadas adequadamente poderão tornar-se crónicas? R – Muitas das doenças que afetam as crianças podem evoluir para a cronicidade, se não são tratadas correta e atempadamente. O exemplo desta afirmação é a otite serosa, situação frequente e a principal causa de diminuição de audição na criança. Como normalmente não causa dores pode passar despercebida por longos períodos de tempo e complicar-se com alterações graves e permanentes da membrana timpânica, podendo causar problemas ao desenvolvimento da criança. Por estas razões, a otite serosa diagnosticada implica um tratamento médico ou cirúrgico adequado em função da evolução da situação clínica. P – Que significam as amígdalas grandes? São motivo para cirurgia? R – As amígdalas grandes não significam, por si só, doença. No entanto, o seu tamanho acima do normal pode ter consequências, quer a nível de dificuldades na alimentação da criança, quer a nível da respiração, levando ao colapso momentâneo e repetitivo da via aérea superior durante o sono, causando o ressonar e eventuais paragens respiratórias, pelo que o tamanho das amígdalas pode merecer cuidado médico. Estas situações devem ser avaliadas caso a caso pelo médico otorrinolaringologista e podem justificar tratamento cirúrgico. P – A cirurgia da ablação das amigdalas e adenóides continua a praticar-se com a mesma frequência de antigamente? Em que casos poderá ser imprescindivel? R – A indicação de cirurgia das amígdalas coloca-se por problemas infecciosos ou por problemas de dimensões exageradas. Quanto aos problemas infecciosos a indicação cirúrgica pode colocar-se nas crianças que têm amigdalites de repetição e que não melhoram com vários tratamentos médicos ou ainda na sequência de um abcesso peri-amigdalino, situação pouco frequente em crianças. Quanto aos problemas devido ao tamanho das amígdalas, a indicação cirúrgica justifica-se quando a hipertrofia causa alterações da respiração noturna, como o sindroma de apneia obstrutiva do sono. Quanto à cirurgia de ablação dos adenóides, e uma vez que este tecido linfático está muitas vezes no centro de quadros infecciosos que tendem a evoluir para a cronicidade, sempre que não for possível controlar com medicamentos, a remoção cirúrgica é muitas vezes a solução definitiva. Cada caso deve ser avaliado pelo médico que acompanha regularmente a criança por forma a tomar a melhor decisão. P – Se um médico quiser operar uma criança deverá ouvir-se uma segunda opinião? R – A questão de ter uma segunda opinião é hoje em dia uma prática frequente nas mais diversas situações. Naturalmente que os pais das crianças devem sentir-se confortáveis e confiantes com a evolução do estado de saúde do seu filho e com as decisões médicas que forem necessárias tomar para resolver qualquer doença. Para isso é também principalmente importante a relação de confiança que se estabelece ao longo do tempo entre o médico e os pais da criança, pilar indispensável em qualquer relação terapêutica. P – Quais as possiveis causas das aftas? Como tratá-las? R – As aftas podem ter muitas causas, nomeadamente podem resultar de défices imunológicos ou nutricionais, má higiene oral ou de um traumatismo local. Normalmente existe uma predisposição genética para as aftas. Em geral as aftas curam-se naturalmente em uma semana e a utilização de analgésicos ou de pomadas locais com corticóides permite controlar a dor, fator muito perturbador destas situações. P – Quais as diferenças numa doença dos ouvidos, nariz ou garganta de uma causa viral ou bacteriana? Há uma tendência para se receitar antibióticos em excesso, como prevenção quando a criança apresenta apenas um quadro viral? Quais os perigos? R – Nas crianças, as doenças infecciosas do território ORL estão muitas vezes associadas à presença de vírus ou bactérias ou de ambos, uma vez que uma infeção viral pode facilitar o aparecimento de uma bacteriana. Para além dos aspetos específicos de cada situação clínica, o facto de uma infeção persistir, com febre e outros sintomas, por mais de dois ou três dias é um indicador de que podemos estar perante uma infeção provocada por uma bactéria. Por esta razão é que muitas vezes se dá a indicação de fazer apenas tratamento sintomático, com analgésicos e/ou antipiréticos, nos primeiros dias e só equacionar a hipótese de antibioterapia se os sintomas persistirem. Este procedimento de uso mais racional de antibióticos, contribui para que não se desenvolvam tantas resistências aos antibióticos, o que nos permite guardar uma arma fundamental para o tratamento de muitas das nossas doenças ao longo da vida. P – O que são os rastreios, para que servem e quando devem ser efectuados? R – Os rastreios, de uma forma geral, permitem identificar uma doença não conhecida anteriormente. O rastreio auditivo neo-natal destina-se a fazer a deteção precoce da surdez no recém nascido. A surdez congénita, isto é quando o recém-nascido já nasce com a surdez, tem uma incidência relativamente elevada, afetando um a dois bebés por cada 1000 nascimentos em berçário normal, números que aumentam quando estamos em presença de algum fator de risco. O objetivo é de que seja possível detetar todos os casos de surdez nos primeiros três meses de vida, por forma a poder-se iniciar a reabilitação da criança antes dos seis meses, facilitando assim a aquisição de uma boa linguagem falada. Mais tarde, por volta dos cinco anos, antes do início da ensino básico é habitual fazer-se um rastreio auditivo, nomeadamente para despite da otite serosa, causa mais frequente de surdez na criança, que quando não tratada pode perturbar todo o desenvolvimento da criança. José Saraiva, otorrinolaringologista e um dos autores do livro “ABC dos Ouvidos, Nariz e Garganta - Um guia para Pais”, editado pela Lidel. Saber mais sobre o livro AQUI.
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