Por Palmira Simões O rápido avanço tecnológico da ainda curta era digital tem trazido muitos benefícios à educação e principalmente, a partir da Web 2.0, inúmeros desafios. O mundo digital não tem fronteiras e encontra-se cada vez mais acessível (na maior parte dos casos de forma livre) a milhões de utilizadores de todos os cantos do planeta onde haja uma ligação à internet. Além disso, está ligado em rede e a comunicar não só de forma assíncrona mas ainda escrita, verbal e visualmente “na hora”, ou seja, de forma síncrona. A informação é partilhada e pode ser construída, individual ou colaborativamente, por qualquer internauta, instituição ou organização. Multiplicam-se as ferramentas, programas informáticos e aplicações que podem transformar um pequeno ecrã de um telefone móvel numa enorme sala de aula aberta à escala mundial. A biblioteca já não é só aquela divisão, por vezes distante e de difícil acesso, que alberga um “pequeno” acervo empoeirado de livros e documentos em papel, mas também uma imensa “nuvem” onde, à distância de um clique a qualquer dia e hora, se encontra uma quantidade imensurável de conteúdos em diversos suportes (escritos, imagens, audiovisuais…), nas mais variadas línguas. Milhões de pessoas agrupam-se e interagem massivamente em redes sociais virtuais como o Facebook. Existe assim todo um admirável mundo novo a descobrir, com potencialidades capazes de — como expõe o investigador J. A. Moreira no livro de Alexandra Okada, Competências-chave para Coaprendizagem na Era Digital: fundamentos, métodos e aplicações — “enriquecer a aprendizagem ao longo da vida” ao proporcionar “a oportunidade de aceder e de construir conhecimento através da web” com, por exemplo, recursos educacionais abertos e cursos massivos online. Mas para se tirar o melhor dos partidos desta janela de oportunidades, e como disse o sociólogo Manuel Castells em 1999, esta vivência em rede e coaprendizagem requerem “o desenvolvimento de competências para que os participantes possam compartilhar experiências e realmente construir conhecimentos em conjunto e em larga escala”.
Para que isto seja concretizável na sua plenitude, Okada refere no seu livro três fatores catalisadores da educação neste contexto e várias competências-chave essenciais. Assim, e no que concerne aos fatores catalisadores, o primeiro é o da abertura da educação, isto é, aquela que permita disseminar a aprendizagem em larga escala, eliminando barreiras, maximizando a disponibilização livre e pública de materiais educacionais, de pesquisas científicas, de tecnologias e cursos gratuitos (ex: Recursos Educacionais Abertos – REA); o segundo fator diz respeito à grande flexibilidade proporcionada pelos dispositivos móveis, pelos recursos integrados ou distribuídos em nuvem, como também pelos ambientes personalizados. Ou seja, deve ser possível aceder-se à informação a qualquer dia e hora, a partir de qualquer local ou dispositivo (ex: smartphone), possibilitando a livre gestão do espaço virtual e das aprendizagens; por último, surge o fator da inclusão promovida por organizações governamentais e não-governamentais através de projetos de construção de cidades digitais para o acesso público à internet (acessível a todos os cidadãos) ou de programas de inclusão digital para formação ao longo da vida. Ainda segundo a autora, estes três fatores, para além de favorecerem a acessibilidade e a construção do conhecimento, permitem ainda o desenvolvimento de competências-chave que deem às pessoas ferramentas nos seus domínios constitutivo, interpessoal e cognitivo (instrumental e operacional) para que coaprendam e coinvestiguem através da Educação Aberta na era digital. Entre essas competências, destaque para a necessidade de reforço da Literacia Digital, da Colaboração-Comunicação, do Pensamento Crítico-Criativo e da Literacia Científica. Na perspetiva de J.A. Moreira, as redes sociais como o Facebook e outras “podem potenciar a comunicação e a partilha de informação e conhecimento”, para além de fomentarem “o desenvolvimento de capacidades e estratégias de ensino/aprendizagem mais dinâmicas e interativas, abertas e criativas” e ao mesmo tempo possibilitarem “uma maior participação dos intervenientes, um melhor aproveitamento dos recursos e mais mobilidade de informação e reconhecimento”. Estas e outras reflexões têm dado azo à realização de estudos nos diferentes níveis de ensino, desde o básico ao superior. À semelhança de Moreira, Minhoto & Meirinhos também consideram que “a escola não se pode alhear da realidade que a circunda, pois a presença das redes sociais no quotidiano dos alunos é incontornável e percetível […] e pode tirar partido deste interesse e canalizá-lo para a aprendizagem […]. Segundo estes autores, são várias a vantagens para os alunos que os ambientes colaborativos de aprendizagem apresentam, quer a nível pessoal (aumento de competências sociais, de interação, do pensamento crítico, da autoestima, etc.), como a nível da dinâmica de grupo (reunindo propostas e soluções de vários grupos de alunos, incentivando os estudantes a aprender entre eles e a valorizar os conhecimentos dos outros, etc.). Para analisar em que medida as redes sociais promovem a aprendizagem colaborativa na escola, Minhoto & Meirinhos realizaram, em 2011, um estudo numa turma do 12º ano (ensino secundário), composta por 15 alunos do curso Humanístico de Ciências e Tecnologias, na disciplina de Biologia. Esta turma criou uma página no Facebook, Biologia12 (www.facebook.com/Biologia12), na qual publicou diversos recursos, como notas, vídeos, fichas, fotos, etc., tendo ainda criado fóruns de discussão sobre assuntos relacionados com os conteúdos curriculares da disciplina. Os autores mediram a participação e o envolvimento dos alunos nesta experiência de aprendizagem colaborativa através de uma rede social, tendo concluído que estas possuem ferramentas que permitem criar o contexto necessário para que essa aprendizagem aconteça. Referem que a familiaridade dos alunos com a rede bem como o facto de eles se identificarem com o processo são dois fatores facilitadores, para além de que a utilização da rede no ensino-aprendizagem contribui para a emergência da consciencialização de que a construção do conhecimento depende de todos eles e não apenas do professor. No entanto, e de acordo com Moreira, a integração plena desta ferramenta na escola confronta-se ainda com uma série de dificuldades e resistências: tecnologia recente e incompreendida como ambiente de aprendizagem; necessidade de alterar a compreensão dos processos de interação social e na construção da aprendizagem e do conhecimento; necessidade de mudança na forma como se usa a tecnologia educativa; na organização e no paradigma educacional (ex: ensino centrado no estudante); número limitado de professores entusiastas pelo uso das redes; instituições ainda pouco despertas para esta realidade. A importância de olhar a educação como um todo Sem descurar as partes, antes conjugando-as, a experiência da educação deve ser global (plano individual, económico-socio-cultural, histórico…). Mais concretamente, tanto no âmbito cognitivo (aprender a conhecer) como no prático (aprender a fazer), como a nível do indivíduo enquanto pessoa (aprender a ser) e membro da sociedade (aprender a viver juntos), ou ainda no campo do conhecimento (ao nível do contexto, do global, do multidimensional e do complexo) e da inteligência geral. De facto, a educação dever favorecer a criatividade/a aptidão natural da mente para a resolução de problemas. E é precisamente com uma educação focada não apenas no conhecimento mas também nas pessoas (tendo em conta a sua diversidade), nas comunidades (considerando a sua heterogeneidade) e nos seus problemas e complexidades (multidisciplinares, transversais e globais) que se consegue construir uma sociedade mais justa, na qual todos tenham acesso às mesmas oportunidades, direcionada mais para projetos e objetivos comuns do que individuais, promovendo assim a vinculação relacional, a cooperação, a solidariedade, a equidade e a paz. Urge, assim, uma mudança das políticas educativas atuais… Para saber mais DELORS, Jacques et al (1996). “Os quatro pilares da Educação” in Educação, um Tesouro a Descobrir (Cap. IV). Relatório para a UNESCO da Comissão Internacional sobre Educação para o século XXI. Brasil: Cortez Editora/UNESCO, 1997. MINHOTO, P. & MEIRINHOS, M. (2011). “As redes sociais na promoção da aprendizagem colaborativa: um estudo no ensino secundário”. Educação, Formação & Tecnologias, 4 (2), 25-34 [Online], disponível em http://eft.educom.pt/index.php/eft/article/view/227. MOREIRA, J. António et al (2014). Educação à Distância e eLearning na Web Social (2ª edição). Santo Tirso: Whitebooks. MORIN, Edgar (1999). “Os princípios do conhecimento pertinente” in Os Sete Saberes Necessários à Educação do Futuro (Cap.II). Brasil: Cortez Editora/UNESCO, 2000. OKADA, Alexandra (2014). Competências-chave para Coaprendizagem na Era Digital: fundamentos, métodos e aplicações. Coleção Estudos Pedagógicos – Dinâmicas Educacionais Contemporâneas. Santo Tirso: Whitebooks.
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Por Palmira Simões
O papel hoje exigido à escola vai muito para além da sala de aula e das relações professores-alunos.
A Lei de Bases define escola como um espaço de aprendizagem inserido na sociedade, constituindo-se como uma comunidade educativa que integra vários atores, implicando a sua participação ativa e efetiva. Ou seja, funciona como uma “minissociedade”, heterogénea e plural e onde de certa maneira, de uma forma ou de outra, todos têm voz ativa. Apesar da rigidez de alguns procedimentos institucionais, segue o espírito democrático em termos organizacionais. Basta ter em conta o órgão máximo de cada agrupamento, o conselho geral, no qual se faz representar, ativamente, a comunidade educativa mais alargada, desde o aluno a um elemento cooptado na comunidade institucional exterior, passado pelo pessoal docente e não docente e autarquia. Constata-se, em diversas situações, que a escola não constitui, efetivamente, apenas um lugar de preparação académica (e muito menos baseado numa “transmissão vertical e autoritária de conhecimentos padronizados”). Tem responsabilidades na formação integral dos alunos, preparando-os para a sua integração plena na sociedade, para a democracia, sobretudo se assente num modelo organizacional (“arquitetura”) aberto e humanista. Neste sentido, podemos destacar alguns aspetos que o comprovam:
Na escola de hoje, que pretende ser integradora e de envolvimento coletivo, não faz qualquer sentido uma organização não democrática. Mesmo atores como os pais são considerados “cooperadores válidos" que trazem valor à organização e à prática educativa. Por Palmira Simões O conceito de cidadania tem vindo a evoluir ao longo dos tempos mas sempre em relação estreita com os direitos e deveres dos cidadãos. Aquilo que começou por ser uma mera participação cívica de alguns indivíduos com direitos na antiguidade foi-se alargando a mais sujeitos e a outras esferas de ação como a político-democrática ou a social dos tempos modernos, que proclamam liberdade e igualdade. Hoje, com o mundo em acelerada transformação social, fala-se mais do que nunca na importância da cidadania e da educação para e em cidadania na construção de uma sociedade melhor e crítica, baseada em valores de integração, coesão, participação e solidariedade, capaz de dissipar fronteiras e de lidar com a diversidade sem perder a identidade individual e da comunidade local. Atualmente, o conceito de cidadania não é estável e tem vários significados. Alguns autores dizem que compreende quatro aspetos — identidade, valores, compromisso político e requisitos pessoais —, pelo que pode considerar-se plural — cidadanias — e com uma abrangência quadridimensional, na medida em que Ruud Veldhuis faz corresponder competências às quatro dimensões com que a cidadania foi sendo referenciada: a político-jurídica, a social, a cultural e a económica. A primeira está relacionada com conceitos de democracia/cidadania, políticas nacionais/internacionais, participação cívica/política, etc. e exige conhecimento das regras da vida em sociedade e dos direitos e deveres de todos; a segunda tem que ver com as relações dos indivíduos com o outro/relações sociais e com fenómenos de dominação/emancipação e exigem expressão de referenciais como os direitos humanos, a coesão social, a igualdade, etc.; a terceira diz respeito às representações e aos valores partilhados, exigindo reconhecimento e valorização do património identitário; e a quarta e última, a dimensão económica, abrange os campos da produção, da distribuição da riqueza e do consumo, que exigem conhecimento e compreensão crítica do mundo do trabalho. Outro autor, Audigier, condensa as competências ao nível cognitivo (caráter jurídico-político, histórico-cultural e procedimental), ético-afetivo e social. M.S. Alexandre alarga a transversalidade multidimensional do conceito de cidadania ao campo pessoal (envolvimento cívico, direitos humanos, ambiente…), espacial (local, regional, nacional e internacional), social (capacidade de interagir com e para o outro) e temporal (contextualização histórica). Em termos de competências para o exercício de uma cidadania responsável aponta fatores como o raciocínio crítico, capacidade de argumentação, respeito pelas pessoas e bens, cooperação, entre outras. Em Educação para a Cidadania: Cursos Gerais e Cursos Tecnológicos, de vários autores, entre eles J.M. Pureza, identificam-se algumas áreas de competências que têm vindo a ser desenvolvidas no âmbito da Educação para a Cidadania, como a rodoviária, a ambiental, dos media, da saúde ou do consumo. Ainda segundo Alexandre, a cidadania responsável está também ligada a valores e atitudes como o sentido de identidade e autoestima, empatia, valorização e respeito pela diversidade, preocupação pelo ambiente, etc. Neste campo, destaca-se a importância dos valores e da cidadania enquanto promotores de coesão social, construção identitária e de diálogo intercultural, pondo a ênfase na vinculação direitos-responsabilidades do ser individual e social que cada cidadão é. Para saber mais ALEXANDRE, F. M. S (n.a). “Educação e Equidade na Sociedade Contemporânea – Roteiro do Tema 2”. Lisboa: Universidade Aberta. Disponível na plataforma de e-learning da UC Educação e Equidade na Sociedade Contemporânea. PUREZA, J. M. et al (2001). Educação para a Cidadania: Cursos Gerais e Cursos Tecnológicos. Lisboa: Ministério da Educação (DES). SILVA, A. S., AZEVEDO, J., & FONSECA, A. (2000). «Valores e cidadania: a coesão social, a construção identitária e o diálogo intercultural». In Roberto Carneiro et al. (coord), O Futuro da Educação em Portugal: Tendências e Oportunidades, Tomo II - As Dinâmicas de Contexto. Lisboa: Ministério da Educação. pp. 157-230. Por Palmira Simões A televisão atrai e faz parte da vida de milhões de indivíduos em todo o mundo, tanto que, como reforçam autores como Puig e Trilla, “é um dos grandes ocupantes do tempo livre das pessoas”. A sua influência no ócio é, contudo, ambivalente, ou seja, tanto pode ser positiva como negativa, tudo depende da qualidade, neste caso da programação, e também da frequência com que é utilizada. Daí a importância de ser alvo de estudo – e avaliação – por parte da pedagogia do ócio. Para aqueles autores, uma boa apreciação dos meios de comunicação de massa onde se insere a televisão deve ter em conta o tipo de alternativas (melhores ou piores), o tempo passado em frente do ecrã (necessidade de limites?), os conteúdos, as necessidades de ócio, entre outros parâmetros. Bruner e Olson referem também, a este respeito, que as experiências de ócio diretas são substituídas pelas mediatizadas e que se isto ocorrer com demasiada frequência empobrece não só o tempo livre como a própria vida, negando a possibilidade de acesso a outros ócios. Autores como L. Bassets afirmam mesmo que os grandes meios como a televisão promovem o isolamento do indivíduo, dando origem a uma maneira de viver em sociedade sem vida social. Por outro lado, transformam hábitos e ócios e criam estereótipos de relação social. No entanto, têm uma função informativa e crítica sobre muitas formas de ócio que a televisão poderia explorar mais mas sem cair no exagero da “pedagogização” dos meios, sob pena, como aludem Puig e Trilla, de “negar o prazer essencial da atividade de ócio”. A aposta deverá ser, pois, na qualidade dos conteúdos e forma dos programas. Já para combater a “massificação”/ dependência da televisão enquanto ferramenta de ócio e também adquirir o espírito crítico necessário para fazer escolhas mais exigentes defendem, tal como Manuel Pinto, catedrático em Ciências da Comunicação da Universidade do Minho, a dinamização da educação para os média, de modo a orientar o uso dos mesmos, quer através da família como da escola ou outras instituições educativas relacionadas com o ócio, bem como a criação de alternativas competitivas, nomeadamente para as crianças, até porque não se sabe ou certo se o sucesso da televisão não se deverá mais ao facto de não haver alternativas mais interessantes do que propriamente ao meio em si. Segundo estudos como o de Manuel Pinto (2000), a televisão ocupava o terceiro posto nas atividades que as crianças do distrito de Braga mais realizavam nos seus tempos livres, atrás do brincar e dos deveres escolares. O que vem corroborar o facto, comprovado nesse mesmo estudo, de que se as crianças pudessem escolher o que fazer nos seus tempos livres, a maioria optaria por soluções fora de casa, como brincar, viajar, fazer desporto, etc. Desta forma, conclui-se que a televisão pode em determinadas situações constituir uma forma de ócio, mas talvez mais porque está à mão, dentro da própria casa (espaço doméstico), disponível a qualquer hora. No entanto apresenta grandes desafios que não podem ser ignorados. No quotidiano Segundo o Obercom-Observatório da Comunicação, em 2012, o tempo médio que os portugueses passaram em frente ao televisor (ou que o mesmo esteve ligado) foi de quase quatro horas, sendo o género preferido a Ficção, seguido do Divertimento e da Informação. Este meio de comunicação é, assim, uma escolha de eleição para preencherem o seu tempo livre, quer para se divertirem, quer para se manterem informados. As mulheres estão em maior número entre os telespetadores que, na sua maioria, têm mais de 64 anos de idade. Crianças e jovens, juntos, destacam-se no segundo posto. Habitam, sobretudo, o interior do País, seguido da Grande Lisboa. O isolamento das populações, mesmo nas grandes urbes, a falta de recursos económicos, a dificuldade da articulação de horários e a parca oferta de atividades culturais e de lazer que funcionem como alternativa adaptadas às idades e gostos de cada franja da audiência pode explicar em parte o sucesso da televisão como instrumento de ocupação de tempos livres, de ócio e até educativo. Mas quantas vezes ligamos a televisão e nem sequer estamos a prestar-lhe atenção? Este comportamento confirma os resultados de vários estudos como o já mencionado de Manuel Pinto, que configuram o uso da televisão no quotidiano como “uma presença e companhia, coexistindo frequentemente com várias outras atividades”. Já Mariet, em 1994, distinguia três modalidades de consumo televisivo nas crianças: tele-escolha (aquilo que a criança gosta e seleciona), telecompanhia (o aparelho está ligado mas só de vez em quando lhe presta atenção) e tele-substituição (a televisão que se vê porque não há alternativa mais interessante). Fruto de rotinas e vazios sociais, este meio de comunicação vem ao mesmo tempo preencher outros vazios, estilos de vida solitários ou pobres socialmente falando. No fundo, vê-se TV porque nada de mais estimulante há para fazer. Por estas e outras razões, mas marcadamente socioculturais, Pinto refere que a televisão é uma atividade ambivalente que por um lado “constrói o quotidiano” e por outro “é por ele construída”. A televisão funciona para as pessoas como uma coisa natural, uma espécie de “apêndice” de si próprias, uma atividade intrínseca ao dia a dia da qual se apropriam e que já nem consideram merecedora de referência tal ela se banalizou. Faz parte do quotidiano quase como que se tivesse vida própria: muda hábitos, rege horários, cria regras. Pelos seus conteúdos, realistas ou ficcionais, diverte, informa, educa, faz sonhar, assusta e até levanta questões como a da violência, abrindo portas para mundos reais ou imaginários que podem ou não entrelaçar-se. E mais: é povoada de personagens em muitas das quais o indivíduo se revê e projeta e com as quais “convive”, diariamente ou não, criando-se muitas vezes relações psicológicas complexas. Um caso paradigmático foi há já alguns anos a série “Morangos Com Açúcar” que durante cerca de uma década conviveu sobretudo com adolescentes. Os temas abordados eram do foro relativo a estas idades: escola, amor e amizade, sexualidade e droga… À hora a que era emitida (regra geral ao final da tarde) estava igualmente acessível a crianças que viam a série na maioria dos casos sem supervisionamento parental… Segundo Sara Pereira, investigadora da Universidade do Minho, “as crianças estabelecem analogias entre a própria vida quotidiana e a das personagens e entre as situações apresentadas pela ficção e as da vida real. Elas utilizam o que veem para exemplificar e ilustrar o que pensam e observam acerca da vida de todos os dias”. No entanto, o lugar da televisão é de tal forma polifacetado e diverso que, como dizia David Morley, continua-se “a saber muito pouco acerca do modo como as crianças e as famílias interagem com a televisão e a usam no seu dia a dia”. Até porque, cada vez mais, acaba por ser um fenómeno desagregador da família na medida em que cada elemento usa-a praticamente de forma individualizada, como se fosse um objeto pessoal (atendendo ao número de aparelhos por lar – em 2004, o Observatório Europeu do Audiovisual registava no mínimo dois aparelhos em mais de 70% dos lares -, sem esquecer que hoje em dia os canais estão acessíveis por internet e vários aparelhos móveis). Por tudo isto destacamos a importância da Educação ou Literacia para os Média, pois, entre outros argumentos, ajuda a levantar questões sobre as representações dos media e a distinguir entre realidade e ficção, ao comparar a violência nos media e a verdadeira violência, os heróis do cinema e os heróis da vida real, os papéis e as expectativas realistas e os modelos propostos pelos media, para além de que ajuda a aprofundar a compreensão de noções como a diversidade, a identidade e a diferença, ao mesmo tempo que favorece o desenvolvimento pessoal e social. Para saber mais: MARIET, François (1994). Déjenlos ver la televisión. Barcelona: Ediciones Urano PEREIRA, S. (2006). “Os ‘Morangos com Açúcar’ têm lugar na escola?” A Página da Educação, nº153. Disponível em: http://www.apagina.pt/?aba=7&cat=153&doc=11326&mid=2 PINTO, M (2000). A Televisão no Quotidiano das Crianças. Porto: Biblioteca das Ciências do Homem, Edições Afrontamento. PINTO, M. (2001). “A televisão, a vida quotidiana e o direito de participação das crianças na escola e na comunidade”. Revista Iberoamericana de Educação. Maio-Agosto 2001. PUIG, Josep Mª e TRILLA, J. (2004). A Pedagogia do Ócio, 2ª edição. Brasil. Editora Artmed. Por Palmira Simões Desde sempre que o ócio esteve ligado à vida das pessoas. Mas se houve tempos em que teve uma conotação pejorativa, aliada ao pecado da preguiça, à vadiagem e à inutilidade (em contraponto com os benefícios do enaltecido trabalho), a sociedade contemporânea tem vindo a revalorizá-lo, sendo considerado uma necessidade e um requisito de qualidade de vida. Para Cuenca Cabeza constitui um “importante pilar de desenvolvimento no século XXI económica, social e culturalmente”; para Monteagudo e Cuenca, “um direito humano que pode contribuir para a realização de uma vida melhor”; ou mesmo para “uma existência com mais sentido”, segundo Puig e Trilla. Esta relevância veio trazer novas reflexões — nomeadamente ser ou não alvo de atenção nos currículos escolares — e levar a uma redefinição do conceito de ócio e a uma nova forma de intervenção, impulsionada por diversos fatores (económico-sociais, culturais, políticos, demográficos, familiares, urbanísticos… e até pedagógicos.). Roger Sue defende inclusive um ócio “orientado” para atividades social e pessoalmente enriquecedoras que possibilitem a expressão livre e criativa dos homens. A verdade é que a vida e a realidade das pessoas mudaram exponencialmente nas últimas décadas, sobretudo nas zonas urbanas, o que veio exigir uma abordagem ao ócio diferente e desafiante. Não só para as famílias — um meio importante para o desenvolvimento de atividades de ócio na infância mas que sofreu alterações importantes na sua estrutura e modo de funcionamento que a tornou menos efetiva enquanto comunidade de ócios — mas também para a Pedagogia, que teve de se ir “moldando para poder acolher e dar resposta ao imperativo atual do tempo livre” (Puig e Trilla). O conceito de educação alargou-se (aprendizagem ao longo da vida), surgiram novos atores a operar em substituição parcial da família, como instituições de cariz pedagógico, bem como outros meios com objetivos educativos ou não. Exeo disso são as ludotecas, as colónias de férias, entre outros espaços que se dedicam à ocupação de tempos livres e à animação sociocultural.
Cuenca Cabeza preconiza dois tipos de educação para o ócio — uma a nível pessoal na sua vertente individual e social; e outra a nível comunitário que se desenvolve a partir de objetivos coletivos — mas também sugere a especialização dos profissionais do ócio através de formação específica. Uma área já reconhecidamente importante como é a do ócio, com funções essenciais na sociedade e tão grandes desafios a superar, não pode ser orientada por voluntaristas e boa vontade, devendo sim ser agarrada com profissionalismo e conhecimento. Para saber mais CUENCA CABEZA, Manuel, 2009, “Perspectivas actuales de la pedagogia del ócio y tiempo libre” in La Pedagogía del Ocio: Nuevos Desafíos, LÓPEZ, José Carlos Otero (coord.), 2009, Colección Perspectiva Pedagógica, editorial Axac. MONTEAGUDO, María Jesus e CUENCA, Manuel, 2012, “Los itinerários de ócio desde la investigación: tendencias, retos y aportaciones”, Revista Interuniversitária Pedagogia Social. PUIG, Josep Mª e TRILLA, Jaume, 2004, A Pedagogia do Ócio, 2ª edição, editora Artmed (Brasil). |
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