Por Palmira Simões A televisão atrai e faz parte da vida de milhões de indivíduos em todo o mundo, tanto que, como reforçam autores como Puig e Trilla, “é um dos grandes ocupantes do tempo livre das pessoas”. A sua influência no ócio é, contudo, ambivalente, ou seja, tanto pode ser positiva como negativa, tudo depende da qualidade, neste caso da programação, e também da frequência com que é utilizada. Daí a importância de ser alvo de estudo – e avaliação – por parte da pedagogia do ócio. Para aqueles autores, uma boa apreciação dos meios de comunicação de massa onde se insere a televisão deve ter em conta o tipo de alternativas (melhores ou piores), o tempo passado em frente do ecrã (necessidade de limites?), os conteúdos, as necessidades de ócio, entre outros parâmetros. Bruner e Olson referem também, a este respeito, que as experiências de ócio diretas são substituídas pelas mediatizadas e que se isto ocorrer com demasiada frequência empobrece não só o tempo livre como a própria vida, negando a possibilidade de acesso a outros ócios. Autores como L. Bassets afirmam mesmo que os grandes meios como a televisão promovem o isolamento do indivíduo, dando origem a uma maneira de viver em sociedade sem vida social. Por outro lado, transformam hábitos e ócios e criam estereótipos de relação social. No entanto, têm uma função informativa e crítica sobre muitas formas de ócio que a televisão poderia explorar mais mas sem cair no exagero da “pedagogização” dos meios, sob pena, como aludem Puig e Trilla, de “negar o prazer essencial da atividade de ócio”. A aposta deverá ser, pois, na qualidade dos conteúdos e forma dos programas. Já para combater a “massificação”/ dependência da televisão enquanto ferramenta de ócio e também adquirir o espírito crítico necessário para fazer escolhas mais exigentes defendem, tal como Manuel Pinto, catedrático em Ciências da Comunicação da Universidade do Minho, a dinamização da educação para os média, de modo a orientar o uso dos mesmos, quer através da família como da escola ou outras instituições educativas relacionadas com o ócio, bem como a criação de alternativas competitivas, nomeadamente para as crianças, até porque não se sabe ou certo se o sucesso da televisão não se deverá mais ao facto de não haver alternativas mais interessantes do que propriamente ao meio em si. Segundo estudos como o de Manuel Pinto (2000), a televisão ocupava o terceiro posto nas atividades que as crianças do distrito de Braga mais realizavam nos seus tempos livres, atrás do brincar e dos deveres escolares. O que vem corroborar o facto, comprovado nesse mesmo estudo, de que se as crianças pudessem escolher o que fazer nos seus tempos livres, a maioria optaria por soluções fora de casa, como brincar, viajar, fazer desporto, etc. Desta forma, conclui-se que a televisão pode em determinadas situações constituir uma forma de ócio, mas talvez mais porque está à mão, dentro da própria casa (espaço doméstico), disponível a qualquer hora. No entanto apresenta grandes desafios que não podem ser ignorados. No quotidiano Segundo o Obercom-Observatório da Comunicação, em 2012, o tempo médio que os portugueses passaram em frente ao televisor (ou que o mesmo esteve ligado) foi de quase quatro horas, sendo o género preferido a Ficção, seguido do Divertimento e da Informação. Este meio de comunicação é, assim, uma escolha de eleição para preencherem o seu tempo livre, quer para se divertirem, quer para se manterem informados. As mulheres estão em maior número entre os telespetadores que, na sua maioria, têm mais de 64 anos de idade. Crianças e jovens, juntos, destacam-se no segundo posto. Habitam, sobretudo, o interior do País, seguido da Grande Lisboa. O isolamento das populações, mesmo nas grandes urbes, a falta de recursos económicos, a dificuldade da articulação de horários e a parca oferta de atividades culturais e de lazer que funcionem como alternativa adaptadas às idades e gostos de cada franja da audiência pode explicar em parte o sucesso da televisão como instrumento de ocupação de tempos livres, de ócio e até educativo. Mas quantas vezes ligamos a televisão e nem sequer estamos a prestar-lhe atenção? Este comportamento confirma os resultados de vários estudos como o já mencionado de Manuel Pinto, que configuram o uso da televisão no quotidiano como “uma presença e companhia, coexistindo frequentemente com várias outras atividades”. Já Mariet, em 1994, distinguia três modalidades de consumo televisivo nas crianças: tele-escolha (aquilo que a criança gosta e seleciona), telecompanhia (o aparelho está ligado mas só de vez em quando lhe presta atenção) e tele-substituição (a televisão que se vê porque não há alternativa mais interessante). Fruto de rotinas e vazios sociais, este meio de comunicação vem ao mesmo tempo preencher outros vazios, estilos de vida solitários ou pobres socialmente falando. No fundo, vê-se TV porque nada de mais estimulante há para fazer. Por estas e outras razões, mas marcadamente socioculturais, Pinto refere que a televisão é uma atividade ambivalente que por um lado “constrói o quotidiano” e por outro “é por ele construída”. A televisão funciona para as pessoas como uma coisa natural, uma espécie de “apêndice” de si próprias, uma atividade intrínseca ao dia a dia da qual se apropriam e que já nem consideram merecedora de referência tal ela se banalizou. Faz parte do quotidiano quase como que se tivesse vida própria: muda hábitos, rege horários, cria regras. Pelos seus conteúdos, realistas ou ficcionais, diverte, informa, educa, faz sonhar, assusta e até levanta questões como a da violência, abrindo portas para mundos reais ou imaginários que podem ou não entrelaçar-se. E mais: é povoada de personagens em muitas das quais o indivíduo se revê e projeta e com as quais “convive”, diariamente ou não, criando-se muitas vezes relações psicológicas complexas. Um caso paradigmático foi há já alguns anos a série “Morangos Com Açúcar” que durante cerca de uma década conviveu sobretudo com adolescentes. Os temas abordados eram do foro relativo a estas idades: escola, amor e amizade, sexualidade e droga… À hora a que era emitida (regra geral ao final da tarde) estava igualmente acessível a crianças que viam a série na maioria dos casos sem supervisionamento parental… Segundo Sara Pereira, investigadora da Universidade do Minho, “as crianças estabelecem analogias entre a própria vida quotidiana e a das personagens e entre as situações apresentadas pela ficção e as da vida real. Elas utilizam o que veem para exemplificar e ilustrar o que pensam e observam acerca da vida de todos os dias”. No entanto, o lugar da televisão é de tal forma polifacetado e diverso que, como dizia David Morley, continua-se “a saber muito pouco acerca do modo como as crianças e as famílias interagem com a televisão e a usam no seu dia a dia”. Até porque, cada vez mais, acaba por ser um fenómeno desagregador da família na medida em que cada elemento usa-a praticamente de forma individualizada, como se fosse um objeto pessoal (atendendo ao número de aparelhos por lar – em 2004, o Observatório Europeu do Audiovisual registava no mínimo dois aparelhos em mais de 70% dos lares -, sem esquecer que hoje em dia os canais estão acessíveis por internet e vários aparelhos móveis). Por tudo isto destacamos a importância da Educação ou Literacia para os Média, pois, entre outros argumentos, ajuda a levantar questões sobre as representações dos media e a distinguir entre realidade e ficção, ao comparar a violência nos media e a verdadeira violência, os heróis do cinema e os heróis da vida real, os papéis e as expectativas realistas e os modelos propostos pelos media, para além de que ajuda a aprofundar a compreensão de noções como a diversidade, a identidade e a diferença, ao mesmo tempo que favorece o desenvolvimento pessoal e social. Para saber mais: MARIET, François (1994). Déjenlos ver la televisión. Barcelona: Ediciones Urano PEREIRA, S. (2006). “Os ‘Morangos com Açúcar’ têm lugar na escola?” A Página da Educação, nº153. Disponível em: http://www.apagina.pt/?aba=7&cat=153&doc=11326&mid=2 PINTO, M (2000). A Televisão no Quotidiano das Crianças. Porto: Biblioteca das Ciências do Homem, Edições Afrontamento. PINTO, M. (2001). “A televisão, a vida quotidiana e o direito de participação das crianças na escola e na comunidade”. Revista Iberoamericana de Educação. Maio-Agosto 2001. PUIG, Josep Mª e TRILLA, J. (2004). A Pedagogia do Ócio, 2ª edição. Brasil. Editora Artmed.
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