A leitura de histórias é uma actividade muito rica e completa, pois permite a integração de diferentes formas de abordagem à linguagem escrita, em geral, e à leitura, de uma forma específica © Monkey Business - Fotolia.com Nos últimos anos têm sido desenvolvidos muitos trabalhos de investigação que identificaram os benefícios da prática de leitura de histórias, não só para o desenvolvimento das conceções emergentes de literacia, como também para a aprendizagem e desenvolvimento de competências de leitura. É indiscutível e de largo consenso a importância da prática de leitura de histórias, enquanto atividade regular, agradável e que proporciona interações e partilha de ideias, conceções e vivências. As razões apontadas para este grande potencial da leitura de histórias prendem-se com numerosos aspetos decorrentes de vivências durante os momentos de leitura e dos quais salientamos: - Proporcionar oportunidades para ouvir leitura fluente – com a entoação adequada, facilita o acesso ao sentido e à mensagem, a compreensão do que é ler e para que se lê, mas também desperta o interesse e a vontade em participar nesta atividade. - Fornecer modelos de leitores envolvidos – um educador ou um pai que goste de ler e que consiga transmitir esse prazer às crianças dá um contributo importante para a promoção de futuros “leitores envolvidos”. Para além do prazer, os adultos são importantes modelos de como e para que se lê. O envolvimento que sentirem e conseguirem transmitir nos momentos de leitura partilhada são um dos elementos essenciais para a formação de “pequenos leitores envolvidos”. - Alargar experiências – o que se lê nos livros, para além de ser uma importante fonte de conhecimento, pode servir de ponto de partida para explorações e pesquisas, para se saber mais sobre determinado assunto, para se compararem vivências e conhecimentos. A história tem assim um potencial imensurável e diversificado, adequando-se a sua exploração aos interesses e vivências de cada grupo de crianças. - Desenvolver a curiosidade pelos livros – a forma como se lê ou conta uma história, tal como toda a exploração que a antecede ou lhe dá continuidade, são elementos importantes para o desenvolvimento da curiosidade e do interesse pelos livros e a leitura. Contactando com livros diferentes (nos temas, nas formas de abordagem, no tipo de texto, na utilização de imagem, etc.), as crianças apercebem-se também da sua diversidade, o que as apoiará na curiosidade para a sua exploração. - Aprender “comportamentos de leitor” – a partir das observações que vão fazendo, as crianças vão-se apercebendo dos comportamentos típicos de um leitor e, posteriormente, quando estão a ver livros, utilizam esses mesmos comportamentos, de um modo cada vez mais sistemático e elaborado. - Apoiar no desenvolvimento de conceitos sobre a escrita – mesmo sem ser feito de uma forma escolarizada, as crianças aprendem muito sobre a escrita e as suas características nos momentos de leitura de histórias. Aprendem que o mesmo texto aparece sempre associado à mesma mensagem e que, qualquer que seja o leitor, a mensagem é sempre a mesma e pela mesma ordem (literalidade e linearidade da escrita). Apercebem-se também da orientação da escrita (esquerda/direita e de cima para baixo), das relações entre a escrita e a oralidade (quando apontamos o que estamos a ler) e também que a mesma coisa se escreve sempre da mesma maneira (a palavra “fada” aparece sempre escrita do mesmo modo). Vão também começando a reconhecer algumas letras e alguns sinais de pontuação, de uma forma integrada e que lhes faz sentido. A leitura de histórias não só apoia a construção de sentido em torno da escrita, como também enriquece a interação da criança com a leitura. Para a construção de sentido terá de se ter cuidado com a escolha do livro, mas também com a adequação do discurso às particularidades de cada grupo ou criança. Assim, é importante não só o trabalho de preparação da leitura da história, como também a continuidade desse trabalho, as questões que se lançam e os apoios à sua compreensão. A riqueza das interações com a leitura promove-se também com as atividades que se podem desenvolver antes, durante e depois da leitura da história. Nem todas as histórias têm de ser exploradas do mesmo modo e com a mesma profundidade, até porque nem todas têm as mesmas características nem o mesmo interesse para a criança ou grupo. Além disso, a sua exploração pode também demorar alguns dias, sendo que uma exploração aprofundada de cada uma das histórias é completamente inviável. A leitura de histórias pode, assim, ser muito mais do que o cumprir de uma rotina de uma forma estereotipada e pouco rica. Ela pode ser uma atividade muito agradável, fonte de inúmeras reflexões e partilhas e um elemento central na formação de “pequenos leitores envolvidos” que conseguem aproveitá-la para irem muito mais além do que aquilo que está escrito nas páginas que a registam. Ambientes de aprendizagem promotores do envolvimento com a leitura De um modo geral, as ideias orientadoras para a organização dos ambientes educativos, quer no que toca à apreensão da funcionalidade quer no que diz respeito à emergência da escrita, são também relevantes para a promoção do envolvimento na leitura. A leitura e a escrita são normalmente atividades coordenadas e integradas em contextos funcionais e significativos. Deste modo, o que procuraremos aqui realçar são alguns tópicos que poderão ser mais direcionados para a leitura ou que poderão ter um enfoque um pouco mais específico. Assim, e como a vertente afectiva dos ambientes de aprendizagem não pode ser deixada para segundo plano, consideramos que: 1. O próprio ambiente deve encorajar a exploração e a reflexão sobre o escrito e a sua interpretação. Deste modo, deve transmitir confiança e segurança para que, livres de constrangimentos, as crianças se aventurem nas suas primeiras tentativas de leitura e de interpretação da escrita envolvente. 2. O ambiente deve ser promotor do prazer e da satisfação da leitura, sendo este um eixo preferencial a considerar. Para além da componente afetiva, devem também considerar-se as oportunidades de contacto e exploração da leitura e o papel dos diferentes adultos enquanto modelos e elementos incentivadores e de apoio. Assim, o ambiente de aprendizagem também deve ser: 3. Rico em oportunidades de interação com o texto escrito e estimulante, incentivando as explorações e as tentativas de interpretação do texto escrito, de um modo integrado e funcional, com tarefas ajustadas às vivências e rotinas do dia-a-dia. 4. Atento às particularidades, aos interesses e às etapas de desenvolvimento de cada um, encorajando os mais inibidos, apoiando os mais autónomos e servindo de modelo enquanto verdadeiro leitor envolvido que valoriza a leitura e a utiliza para fins diversos. 5. Promotor da articulação e interação com a família. Deve envolver as famílias nas suas práticas de leitura, incentivando a continuidade, diversidade e regularidade de diferentes leituras na família e da leitura de histórias. Nas famílias onde essas práticas são menos frequentes e consistentes, deve promover hábitos de leitura de histórias e a compreensão da importância da participação da criança nas leituras familiares do dia-a-dia (programação da TV, listas de compras, textos das embalagens, receitas, etc.). Ao longo do texto foram apresentados alguns exemplos de tarefas e atividades, que não esgotam todas as possibilidades a desenvolver. Também as sugestões de tarefas que apresentaremos em seguida devem ser encaradas como meros indicadores de possibilidades, que poderão ser alteradas e adequadas a cada contexto e que poderão fazer mais sentido em determinadas realidades do que noutras. Assim, eis algumas ações e tarefas possíveis a desenvolver, para além das já exemplificadas anteriormente: - Introduzir regularmente mensagens escritas ou indicações para as crianças num local previamente combinado. Essas mensagens poderão ter alguns facilitadores para a sua interpretação, como imagens ou símbolos conhecidos. Ex: Na sala Amarela, a educadora introduziu há pouco tempo uma nova rotina. Todos os dias afixa e partilha com as crianças aquilo a que chamam “mensagem diária”. Esta mensagem tem uma informação importante para aquele dia e serve para as crianças se irem lembrando do seu conteúdo ao longo do dia. Hoje levou uma mensagem escrita num cartão muito florido que dizia “Hoje começa a Primavera.” A educadora Isabel também partilha diariamente a mensagem da manhã com as crianças.Quando chega à sala, escreve-a no computador e esta fica a passar no screensaver. - Construir, com as crianças, ficheiros de imagens, onde cada imagem aparece associada à respetiva denominação. Assim, quando as crianças necessitarem de escrever alguma palavra poderão ir ao ficheiro e copiá-la e, sempre que quiserem, poderão lê-la e relê-la. - Cada criança faz a “coleção” das palavras que conhece, que são recortadas ou escritas pela própria criança, guardadas numa caixa ou coladas num caderno para esse efeito. Encorajar as crianças a partilhar as palavras da sua coleção com os amigos, a usá-las em frases, textos ou histórias escritas pelo adulto e até mesmo a tentar reproduzi-las quando quiserem. - Colecionar logotipos de vários restaurantes, supermercados, embalagens de cereais ou de outros produtos conhecidos das crianças. Incentivar a sua leitura e eventualmente construir um arquivo com eles. - Etiquetar cabides e materiais pessoais com os nomes das crianças, utilizar os nomes em diferentes contextos e rotinas e incentivar a sua identificação (mapas de presenças, mapas de aniversários, planeamento e escolha das atividades a desenvolver, tabela dos responsáveis da sala – responsáveis por pôr a mesa e contar os almoços, por tratar dos animais e regar as plantas, por ajudar a educadora ou, mesmo, pela biblioteca). - Valorizar as tentativas de escrita e incentivar as crianças para “lerem” as suas próprias escritas, no momento e posteriormente, promovendo assim a tomada de consciência, a mobilização das estratégias utilizadas e uma reflexão sobre a sua adequação, facilitando a emergência de novas estratégias. - Introduzir momentos de leitura coletiva, durante os quais as crianças procuram identificar algumas palavras que já conhecem e comparam as suas estratégias e conhecimentos. - Introduzir, a pouco e pouco, etiquetas na sala e efetuar, gradualmente, a sua exploração e utilização nas rotinas da sala ou no desenvolvimento de tarefas propostas. Podem também utilizar-se etiquetas temporárias, associadas a projetos ou tarefas específicas; por exemplo, quando se aborda a noção de medida e se comparam dimensões, ilustrando e registando essas situações, usando etiquetas com alto/baixo, comprido/curto, etc. - Criar oportunidades de correspondência com crianças de outros jardins-de-infância e de outros locais. A correspondência permite, entre muitas outras coisas, utilizar a leitura e a escrita de um modo interligado e com finalidades muito claras e bastante motivadoras. - Proporcionar, com frequência, momentos de leitura de histórias. Estes devem ser ricos em interações, proporcionando às crianças a oportunidade de identificarem o seu autor, o ilustrador e de, a partir do título da história, anteciparem o conteúdo. Podem também ser utilizadas diferentes estratégias que facilitem o acesso à compreensão da história, como, por exemplo, o relembrar do seu conteúdo, a organização das principais ideias e acontecimentos e o estabelecimento de ligações com outras histórias ou com as vivências das crianças. - Ler e explorar a mesma história mais do que uma vez. As leituras repetidas, para além de facilitarem o acesso à compreensão, proporcionam um sentimento de familiaridade e apropriação. Assim, as crianças terão disponibilidade para dedicarem a sua atenção a aspetos que inicialmente não tiveram em conta e para, eventualmente, considerarem também a estrutura da história e as palavras que a constituem. - Ler e facilitar o acesso a leituras de qualidade e diversificadas. - Promover momentos de leitura na família, criando um sistema de requisição de livros, combinando e orientando os pais na sua leitura partilhada com os filhos. Mesmo quando os pais não conseguem ler bem, é possível desenvolver estratégias, recorrendo a livros mais fáceis, a gravadores, ou a livros com um grande suporte de imagem. Em síntese: ler para as crianças, ler com as crianças e proporcionar múltiplas oportunidades de contacto e exploração da leitura, incentivando todas as suas tentativas de leitura. Um exemplo da prática A educadora Marta estabeleceu como uma meta prioritária para este ano letivo a dinamização da biblioteca da sala e das rotinas para a sua utilização. Até agora, tem tido sempre uma biblioteca na sala, mas considera que tem sido muito pouco aproveitada, tendo uma certa variedade de livros, mas sendo somente utilizada em momentos de transição de atividades, com pouca dinâmica e quase nula integração nas diversas atividades da sala. Assim, estabeleceu mudanças a três níveis: espaço físico e materiais, rotinas de utilização e objectivos da sua utilização. Espaço físico e materiais – As alterações a este nível foram profundas. Procurou instalá-la junto a uma janela, de modo que tivesse iluminação natural e junto ao “tapete”, porque, em momentos de utilização coletiva da biblioteca, podia juntar os dois espaços. Tornou-a mais confortável e acolhedora, aproveitando as antigas almofadas, mas fazendo alguns minipufes e arranjando dois pequenos sofás (improvisados a partir de caixas de madeira de fruta), entre os quais colocou um candeeiro (que estava numa arrecadação). Decorou a zona da biblioteca com a ajuda das crianças, que pintaram a reprodução das capas de alguns livros e de alguns dos heróis das suas histórias preferidas. Colocou um placar para irem afixando trabalhos, textos, informações e outras coisas relacionadas com a biblioteca, os seus livros e as leituras que iam fazendo. Com as crianças, classificou os livros e materiais de leitura por tipos e temas (histórias, poemas e rimas, pesquisa, etc., jornais e revistas), marcou-os com um código e uma cor diferente e destinou-lhes um lugar específico na estante, assinalado com a mesma cor. Além de introduzir mais materiais diferentes dos livros de histórias usuais (revistas, jornais, livros de receitas, lista telefónica, dicionário, etc.), procurou criar mecanismos de renovação e rotação dos livros e materiais de leitura na biblioteca. Assim, combinou com os pais que cada criança, regularmente, se pudesse e quisesse, traria para a sala e deixaria na biblioteca, durante uma semana, um livro de que gostasse para partilhar com os colegas. Estabeleceu um protocolo com a biblioteca municipal local, possibilitando a requisição regular de livros que ficariam durante alguns dias na sala. Foi catalogando e juntando à biblioteca da sala os livros que as crianças iam fazendo, fossem os livros que produziam na sequência de pesquisas, as histórias que criavam e ilustravam, ou outros livros sobre temas diversos. Rotinas de utilização – Nas suas rotinas semanais reservou alguns momentos para atividades na biblioteca, em pequeno e em grande grupo, durante os quais as crianças podiam partilhar a leitura de um livro, convidar alguém para lhes ler um livro, conversar sobre as características e componentes do mesmo, bem como sobre os seus autores e ilustradores, refletir sobre a utilização da biblioteca, etc. Para além disso, procurou incentivar a utilização de materiais da biblioteca para a realização de outras actividades ou mesmo para a resolução de situações do dia-a-dia (saber um número de telefone ou uma morada, descobrir o significado de uma palavra ou saber o estado do tempo). Com a participação das crianças estabeleceram-se as regras de funcionamento da biblioteca, que registaram e afixaram, relembrando-as regularmente. Nomearam-se, semanalmente, dois responsáveis pela biblioteca, que não só zelavam pela sua arrumação e conservação e pelo cumprimento das regras, como controlavam os livros novos emprestados à biblioteca e também as requisições e devoluções dos mesmos. Criaram-se cartões de leitor, com a identificação de cada um e um livro de registo de entradas e saídas, com uma página para cada criança, onde os responsáveis assinalavam, com a ajuda da educadora, a identificação do livro, a data de requisição e depois a data de devolução do mesmo. Os livros requisitados eram colocados numa sacola de pano personalizada com a identificação de cada criança, no respetivo cabide, para que à saída esta o levasse para casa. Dentro de cada sacola também estava o “Diário da Leitura” da criança em causa, no qual, com a colaboração dos pais, ela registava as leituras que fazia, o que gostava ou não e que também podia ilustrar (tudo foi antecipadamente combinado com os pais). Criou-se o “Hospital do Livro”, que era uma caixa onde se colocavam os livros que se começavam a estragar e que necessitavam de arranjo e onde era guardada uma tesoura, fita-cola, cola, papel autocolante transparente e outros materiais eventualmente necessários para o arranjo dos livros. Quando necessário, a educadora e os responsáveis da semana procediam à sua recuperação. Objectivos da sua utilização – Como objectivos prioritários, a educadora estabeleceu a promoção do gosto pela leitura e também de hábitos e rotinas consistentes de leitura e interação com o livro. Para isso, atuará por duas vias: a sala e a família das crianças. Quanto à sala do jardim-de-infância, espera que as rotinas estabelecidas, os momentos agradáveis de leitura partilhados no dia-a-dia e uma maior integração da leitura nas diversas actividades da sala contribuam para esses objetivos. Assim, procurará também proceder a uma descentralização dos materiais de leitura dentro da sala, como, por exemplo, tendo um livro de receitas na cozinha da casinha, umas revistas no consultório e uma lista telefónica junto ao telefone. Quanto à família, para além dos hábitos de leitura decorrentes da requisição dos livros, da sua leitura e registo a ela associado, irá procurar desenvolver alguns projetos específicos ao longo do ano, com a participação dos pais, de modo a valorizar as leituras feitas, a partilhar dificuldades e a promover novas atividades. Excerto de trabalho publicado em "À DESCOBERTA DA ESCRITA: TEXTOS DE APOIO PARA EDUCADORES DE INFÂNCIA", editado pelo Ministério da Educação - Direção Geral de Inovação e de Desenvolvimento Curricular, da autoria de Lourdes Mata (2008). Disponível AQUI.
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