As políticas educativas estão em cima da mesa, nomeadamente as relacionadas com a educação pré-escolar. Texto: Palmira Simões O programa do XXI Governo Constitucional não a ignora, considerando este nível educacional essencial para a melhoria das aprendizagens e por isso elemento-chave no combate ao insucesso escolar. Para o efeito, duas das suas apostas recaem na universalidade da oferta (que hoje ainda não chega a todas as crianças entre os 3 e os 5/6 anos) e no alargamento da rede. Mas este debate não é de agora. Em 1997, as então inovadoras orientações curriculares para a educação pré-escolar já visavam princípios e objetivos pedagógicos centrados na promoção do desenvolvimento pessoal e social da criança, na sua inserção em grupos sociais diversos, e na estimulação do desenvolvimento global de cada uma, incutindo comportamentos favorecedores de aprendizagens significativas e diferenciadas bem como de uma cultura de cidadania. Efetivamente, autores como Oliveira & Miranda Cunha (2007) consideram os primeiros anos, até aos seis, um período crítico do desenvolvimento em termos de personalidade, inteligência e comportamento. Bartolomé (apud Oliveira & Miranda Cunha, 2007) vai mais longe ao afirmar que o desenvolvimento cerebral é muito vulnerável à influência do meio pelo que a promoção da formação cognitiva nesta fase influencia o futuro do indivíduo. Por outro lado, aos quatro anos, a criança já alcançou metade do potencial mental que terá em adulto e, aos seis, 90 por cento das sinapses cerebrais estão formadas. Também Gomes-Pedro, em 2004, já evidenciava a importância de haver programas educacionais direcionados para a infância mais precoce como forma de prevenção e de garantia de sucesso na intervenção em disfunções (exemplo: toxicodependência) que podem emergir mais tarde. Mediante estes argumentos, não admira portanto a importância da educação na primeira infância. A creche nos primeiros três anos, mas sobretudo o jardim de infância, dos três aos seis, desde que não sejam meros “depósitos” de crianças e que estas estejam entregues a educadores com formação específica para a função, poderão ser de facto locais de interação potenciadores de aprendizagens significativas que alicerçam o desenvolvimento infantil de forma integral e saudável. Mas como poderemos definir este período crucial do desenvolvimento humano? A primeira infância pode dividir-se, segundo vários autores (Tavares et al., 2007), em dois momentos de desenvolvimento particularmente acelerado. Os dois primeiros anos caracterizam-se por uma acentuada evolução física e sensorial (a que Piaget chamou de sensório-motor), que se reflete a nível cognitivo, desde o reflexo à nascença ao início da representação simbólica, entre os 18 e os 24 meses. Nesta fase, os bebés também começam a socializar, manifestando-se de uma maneira muito própria (através do choro ou do sorriso, por exemplo). Ambientes estimulantes, plenos de amor (vínculos) e ricos em interações recíprocas são fundamentais para o seu desenvolvimento global. No segundo momento, entre os dois e os seis anos, também designado por período pré-escolar, evidencia-se o desenvolvimento da linguagem, cada vez mais fluente (fulcral para a comunicação), e a emergência do pensamento pré-operatório, imaginativo, simbólico e intuitivo. Fisicamente, a criança continua a crescer e a tornar-se mais forte, ágil e autónoma. Nesta idade ela é especialmente egocêntrica, ou seja, ainda não consegue colocar-se no lugar do outro, mas ao mesmo tempo uma intrépida exploradora do mundo que a rodeia. O contacto com a família e outros adultos, incluindo professores, bem como com os pares constituem pilares basilares não só para o seu desenvolvimento cognitivo e psicossocial como também para o desabrochar e apreensão desse mundo com horizontes cada vez mais alargados. Esta diversificação de interações e de aprendizagens mútuas é possível se se abrir o leque de contextos enriquecedores a oferecer à criança em todas as fases do seu desenvolvimento, em especial nos primeiros anos. Desse leque, a seguir à família, o contexto de jardim de infância é dos mais naturais no universo das vivências infantis. Nele, ela experiencia contrapor os vínculos familiares e as relações interpessoais estabelecidas em ambientes estruturados; as brincadeiras realizadas a maior parte das vezes sozinha e as de grupo; os diferentes tipos de afetos (como o amor da família e a amizade entre pares); as práticas educativas dos pais e as pedagógicas dos educadores. No entanto, seja qual for o locus educativo, não podemos esquecer de: proporcionar à criança espaço para ser ela própria e para construir a sua identidade; deixá-la tomar as suas próprias decisões; e fazê-la sentir-se integrada, respeitada, valorizada e sujeito ativo das suas próprias aprendizagens nos contextos onde se move. Para saber mais GOMES-PEDRO, João (2004), “O que é ser criança? Da genética ao comportamento”. In Análise Psicológica, 1 (XXII): 33-42, p. 34. OLIVEIRA, M. Conceição e MIRANDA CUNHA, M. Isabel Santo (2007), “Infância e Desenvolvimento”. In Cadernos de Estudo nº 6, p. 35. Centro de Investigação Paula Frassinetti. Programa do XXI Governo Constitucional (2015-2019) de Portugal. Disponível em: http://www.portugal.gov.pt/media/18268168/programa-do-xxi-governo.pdf, p. 103 (consultado em 30/11/2015). TAVARES, José et al. (2007), Manual de Psicologia do Desenvolvimento e Aprendizagem, pp. 43-57. Porto: Porto Editora. VASCONCELOS, Teresa (Dir.,1997), Orientações Curriculares para a Educação Pré-escolar. Ministério da Educação, p. 15. Disponível em www.dge.mec.pt/sites/default/files/Basico/orientacoes_curriculares_pre_escolar.pdf.
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