O mundo das crianças pode ser bastante complexo. Não basta zelar pelo seu bem-estar físico, outros factores podem ser decisivos no crescimento de uma criança. É imperativo que os pais estejam atentos ao que se passa no interior dos seus filhos.Yvonne Bogdanski/PhotoXpress «De uma maneira geral, desde há algum tempo, as pessoas procuram alguma ajuda, sobretudo no que diz respeito às crianças. Acho que tem havido mais essa procura, porque os pais também estão mais disponíveis para tentar perceber o que é que podem fazer para melhorar a vida dos mais novos, para ajudar os seus filhos», explica o Pedro Strecht, pedopsiquiatra, que trabalha há já muitos anos com o mundo das problemáticas familiares e as consequências futuras nos mais novos. Sobretudo hoje, os casais têm menos filhos e, por isso, estão mais disponíveis para valorizar o que se passa no mundo interior dos mais novos, «para perceber que grande parte daquilo que é a construção da vida psíquica futura de uma pessoa começa na infância, através da relação emocional da criança com quem a rodeia, nomeadamente, pai e mãe no início», esclarece o especialista. Que problemáticas familiares? As problemáticas variam muito e acabam por afetar as crianças. Se, há muitos anos, a alcoolemia era a principal culpada pela desestruturação de muitas famílias e crianças instáveis, actualmente, surgem outros calcanhares de Aquiles no seio familiar. «Eu diria que, hoje em dia, o problema da toxicodependência é algo que mina muito a família (sobretudo determinado tipo de camadas sociais da nossa população). Também outras situações, como os conflitos e separações traumáticas entre pais», explica o pedopsiquiatra. Os conflitos entre os pais, quando expostos às crianças, podem afetar o seu equilíbrio emocional. Muitos adultos pensam que os mais novos não compreendem o mundo dos mais velhos, que não entendem as palavras, os gritos e gestos. Porém, é completamente errado. Conforme explica Pedro Strecht, «às vezes, há a ideia de que os bebés ou as crianças, quando são muito pequeninas – por não falarem, por não expressarem através da linguagem aquilo que sentem –, não se apercebem das coisas. É importante chamar a atenção dos pais de que as crianças apercebem-se sempre de tudo aquilo que se passa à sua volta, mesmo em idades muito precoces, como a primeira infância». O especialista continua o seu raciocínio dando exemplos de algumas situações: «Até quando as coisas funcionam bem nós sabemos que um bebé sente a falta da sua mãe. Quando acaba a licença de parto e a mãe começa a deixar o bebé numa ama ou num jardim-de-infância e o vai buscar ao final do dia, o bebé faz de início um certo evitamento do olhar, como que a demonstrar que está um bocadinho zangado, que sentiu a ausência. Isso é um sinal claro de que ele percebeu que houve uma mudança naquela relação afectiva.» As crianças apercebem-se do que se passa, exprimem-se de diversas formas que, por vezes, não são detetadas pelos pais. Alicerces emocionais de uma criança Muitas vezes olhamos para uma pessoa e catalogamo-la como emocionalmente instável. Pessoas problemáticas, com dificuldades de socialização e em conseguirem organizar a sua vida, são consideradas adultos desviantes. Contudo, se investigarmos bem a fundo os casos, percebemos que os problemas começaram na infância. Pedro Strecht refere que «a forma como as crianças se vão moldando, se vão formando – no fundo, como se vão vendo a elas próprias e vendo aquilo que as rodeia –, depende muito da qualidade da relação emocional dos primeiros anos de vida». Nesta altura têm um papel decisivo os progenitores, como explica o pedopsiquiatra: «Os principais modelos que a criança interioriza são os de quem está mais próximo delas no seu dia-a-dia, ou seja, o modelo feminino de mãe e o modelo masculino de pai, ou quem representa estes papéis. É partindo da interiorização destes modelos de relação familiar que a criança vai, depois, repetir outras formas de relação com os outros.» Uma criança segura, com padrões afetivos estáveis, consegue ter, habitualmente, relações de maior investimento, com mais qualidade com os outros. Já uma criança que viva no seio de uma família desestruturada, com situações de padrões extremos muito repetidos, pode vir a dar um adulto problemático. «Não é obrigatório, mas, de facto, o risco aumenta. Porque o crescimento de cada um de nós, como pessoa, é como uma construção, quanto mais sólidos forem os alicerces melhor tudo o que se constrói daí para cima», declara Pedro Strecht. O papel dos pais «Por vezes, os pais não compreendem o porquê das situações e não as valorizam. Percebem que a criança não está bem na escola, que até anda triste, mas não são capazes de ligar isso a determinado problema que está ali mesmo debaixo do teto», diz Pedro Strecht, que conhece bem este cenário. Está habituado à surpresa dos pais quando descobrem que o seu filho tem problemas emocionais: «Há pais que dizem: “Mas, afinal, isto passou-se tudo tão depressa e eu não conheço bem o meu filho”, ou “Agora é que descobri que há muitas coisas que me passam ao lado”. E este é, de facto, um dos problemas maiores.» Os pais estão cada vez mais distantes dos filhos, existe uma falta de qualidade no tempo da relação pais/filhos, o que afeta a estabilidade emocional das famílias. É necessário intervir precocemente perante as situações de risco. Para tal, é necessário que os pais estejam mais atentos às alterações emocionais/comportamentais dos filhos. «Ajudamos os pais a ter uma melhor leitura do mundo emocional dos filhos», conclui Pedro Strecht. E não deixa de referir que «estes são problemas que dizem respeito às famílias de uma forma transversal e não apenas famílias com características socioculturais mais baixas». Será que o meu filho tem problemas emocionais? «Julgo que as crianças acabam sempre por apresentar sinais e sintomas, sobretudo se as situações são muito mantidas», esclarece Pedro Strecht. Evidenciam sintomas de instabilidade emocional, que variam conforme as idades. Se uma criança é muito pequena, é mais provável apresentar sinais e sintomas através das grandes funções de relação. Por exemplo, modificações no apetite, com vómitos. O sono também pode sofrer algumas oscilações. Por vezes, registam-se alterações ao nível do desenvolvimento global. «Se uma criança está em período escolar, é muito fácil que os sinais se manifestem na escola, quer por quebra do rendimento escolar, quer por alteração de comportamento», refere o pedopsiquiatra. Para além da escola, os mais crescidos podem ter alterações de comportamento, com maior instabilidade, hiperatividade, agressividade, ou o oposto, inibições, isolamentos. Com o crescimento da criança outros receios surgem. Segundo Pedro Strecht, «há uma idade que assusta muito os pais. São os anos próximos da entrada na puberdade ou adolescência, que vai entre os 10 até aos 14, 15 anos. Penso que está relacionado com o facto de nela existir uma modificação física e emocional com os pais». Perante tantas dúvidas dos pais, o especialista tenta sossegá-los: «O ideal é estarem atentos, reportarem-se às suas próprias experiências infantis. O importante é ajudar a repetir as que foram boas e evitar as que sentem como negativas.» Texto: Patrícia Cracel/Jasfarma
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A hora de refeição da criança pode ser um verdadeiro problema para os pais e também aquele que surge mais cedo. Os meninos não comem, as mães preocupam-se, a tensão cresce, eles voltam a recusar os alimentos. Os progenitores inventam mil maneiras do entreter e “enganar” com mais uma colher de legumes, ainda que estes já estejam preparados para comer sozinhos. “Era uma vez uma menina que foi visitar a avozinha…”, mas a história do Capuchinho Vermelho cai em cesto roto e a carne espalhada pelo chão lembra os destroços de uma pequena batalha. É isso mesmo, a eterna batalha da comida! E para piorar o seu estado de ansiedade, disseram-lhe que o rebento come bem no infantário. É natural! Primeiro, porque lhe possibilitam uma autonomia relativa: deixam-no comer sozinho uma vez que se desembaraça bem na tarefa; em segundo lugar, porque está acompanhado pelos seus pares, imita-os e compete com eles; finalmente, não está exposto à sua tensão e pressões para que não deixe nada no prato. Não sinta a situação como uma “afronta”. Se operar algumas mudanças em casa pode obter resultados idênticos. Faça da hora de refeição um momento alegre, descontraído e didático, sobretudo não seja exigente. Abandone de uma vez por todas esse rodopiar à volta da mesa de colher na mão. Prepare-lhe refeições de forma a proporcionar-lhe um regime equilibrado. Para isso diversifique tanto quanto possível os alimentos, levando em linha de conta o que come no infantário. Para o efeito, seria bom conhecer semanalmente o menu. Se achar necessário, dê alguma cor ao ambiente e aos utensílios, proporcione-lhe pratos coloridos, guardanapos animados e, de vez em quando, um copo com palhinhas. Imagem: © Hpphoto | Dreamstime Stock Photos & Stock Free Images Algumas crianças criam um amigo imaginário que se distingue da habitual brincadeira do faz de conta pelo facto de ser alguém invisível, que só existe na imaginação da criança. Pode ser uma pessoa ou um grupo de pessoas ou até um animal... Por Marta Andersen/Oficina de Psicologia Stock.XCHNG A maioria das crianças gosta de brincar ao “faz de conta”: estas brincadeiras incluem brincar “às casinhas” ou “aos médicos” e envolvem o uso de bonecos, peluches e objectos de brincar que a criança usa fingindo que são verdadeiros. Este tipo de brincadeira não só é saudável, como extremamente importante para o desenvolvimento de competências cognitivas, sociais e emocionais das crianças. Ao recriar, através da brincadeira, situações reais ou de fantasia, a criança vai-se apropriando do seu mundo e aprende a lidar com os outros, com as suas emoções e desenvolve novos comportamentos e pensamentos. Algumas crianças, para além deste tipo de brincadeira, criam um amigo imaginário. Um amigo imaginário distingue-se da habitual brincadeira do faz de conta pelo facto de ser alguém invisível, que só existe na imaginação da criança. Pode ser uma pessoa ou um grupo de pessoas ou até um animal. Muitos pais descobrem que os seus filhos têm amigos imaginários acidentalmente: ou porque apanham a criança a conversar sozinha, ou porque “pisam” o amigo imaginário , ou porque a criança lhes conta aventuras que viveu com alguém que os pais sabem que não existe. Descobrir que o filho tem um amigo imaginário pode ser motivo de grande preocupação para os pais, que muitas vezes se questionam se este será um sinal de que a criança tem dificuldades a fazer amigos de carne e osso, ou de alguma perturbação de outro tipo. A investigação nesta área tem no entanto contribuído para descansar os pais: ter um amigo imaginário não é de todo um sinal de alarme mas algo muito natural! As crianças que têm amigos imaginários são geralmente tão bem integradas em termos sociais como as outras, e estes não servem como substitutos das relações com as pessoas reais. A grande maioria destas crianças tem a noção de que o seu amigo não é real, mas sim inventado por si. O amigo imaginário funciona como um companheiro nos momentos em que a criança está sozinha a brincar ou a fazer outras atividades. Assim, as crianças com maior probabilidade de ter um amigo imaginário são os filhos mais velhos, os filhos únicos e as crianças que vêem pouca televisão. O amigo imaginário pode ser uma importante fonte de conforto emocional quando a criança passa por dificuldades. Algumas crianças desenvolvem amigos imaginários após terem passado por um trauma e esse amigo pode ser um recurso fundamental para a criança gerir as suas emoções. Assim, se o seu filho tem um amigo imaginário, aceite-o em vez de tentar combater a sua existência na vida da criança. Ao conversar com o seu filho acerca do amigo imaginário pode aceder aos interesses, preocupações, desejos e receios do seu filho. |