As políticas educativas estão em cima da mesa, nomeadamente as relacionadas com a educação pré-escolar. Texto: Palmira Simões O programa do XXI Governo Constitucional não a ignora, considerando este nível educacional essencial para a melhoria das aprendizagens e por isso elemento-chave no combate ao insucesso escolar. Para o efeito, duas das suas apostas recaem na universalidade da oferta (que hoje ainda não chega a todas as crianças entre os 3 e os 5/6 anos) e no alargamento da rede. Mas este debate não é de agora. Em 1997, as então inovadoras orientações curriculares para a educação pré-escolar já visavam princípios e objetivos pedagógicos centrados na promoção do desenvolvimento pessoal e social da criança, na sua inserção em grupos sociais diversos, e na estimulação do desenvolvimento global de cada uma, incutindo comportamentos favorecedores de aprendizagens significativas e diferenciadas bem como de uma cultura de cidadania. Efetivamente, autores como Oliveira & Miranda Cunha (2007) consideram os primeiros anos, até aos seis, um período crítico do desenvolvimento em termos de personalidade, inteligência e comportamento. Bartolomé (apud Oliveira & Miranda Cunha, 2007) vai mais longe ao afirmar que o desenvolvimento cerebral é muito vulnerável à influência do meio pelo que a promoção da formação cognitiva nesta fase influencia o futuro do indivíduo. Por outro lado, aos quatro anos, a criança já alcançou metade do potencial mental que terá em adulto e, aos seis, 90 por cento das sinapses cerebrais estão formadas. Também Gomes-Pedro, em 2004, já evidenciava a importância de haver programas educacionais direcionados para a infância mais precoce como forma de prevenção e de garantia de sucesso na intervenção em disfunções (exemplo: toxicodependência) que podem emergir mais tarde. Mediante estes argumentos, não admira portanto a importância da educação na primeira infância. A creche nos primeiros três anos, mas sobretudo o jardim de infância, dos três aos seis, desde que não sejam meros “depósitos” de crianças e que estas estejam entregues a educadores com formação específica para a função, poderão ser de facto locais de interação potenciadores de aprendizagens significativas que alicerçam o desenvolvimento infantil de forma integral e saudável. Mas como poderemos definir este período crucial do desenvolvimento humano? A primeira infância pode dividir-se, segundo vários autores (Tavares et al., 2007), em dois momentos de desenvolvimento particularmente acelerado. Os dois primeiros anos caracterizam-se por uma acentuada evolução física e sensorial (a que Piaget chamou de sensório-motor), que se reflete a nível cognitivo, desde o reflexo à nascença ao início da representação simbólica, entre os 18 e os 24 meses. Nesta fase, os bebés também começam a socializar, manifestando-se de uma maneira muito própria (através do choro ou do sorriso, por exemplo). Ambientes estimulantes, plenos de amor (vínculos) e ricos em interações recíprocas são fundamentais para o seu desenvolvimento global. No segundo momento, entre os dois e os seis anos, também designado por período pré-escolar, evidencia-se o desenvolvimento da linguagem, cada vez mais fluente (fulcral para a comunicação), e a emergência do pensamento pré-operatório, imaginativo, simbólico e intuitivo. Fisicamente, a criança continua a crescer e a tornar-se mais forte, ágil e autónoma. Nesta idade ela é especialmente egocêntrica, ou seja, ainda não consegue colocar-se no lugar do outro, mas ao mesmo tempo uma intrépida exploradora do mundo que a rodeia. O contacto com a família e outros adultos, incluindo professores, bem como com os pares constituem pilares basilares não só para o seu desenvolvimento cognitivo e psicossocial como também para o desabrochar e apreensão desse mundo com horizontes cada vez mais alargados. Esta diversificação de interações e de aprendizagens mútuas é possível se se abrir o leque de contextos enriquecedores a oferecer à criança em todas as fases do seu desenvolvimento, em especial nos primeiros anos. Desse leque, a seguir à família, o contexto de jardim de infância é dos mais naturais no universo das vivências infantis. Nele, ela experiencia contrapor os vínculos familiares e as relações interpessoais estabelecidas em ambientes estruturados; as brincadeiras realizadas a maior parte das vezes sozinha e as de grupo; os diferentes tipos de afetos (como o amor da família e a amizade entre pares); as práticas educativas dos pais e as pedagógicas dos educadores. No entanto, seja qual for o locus educativo, não podemos esquecer de: proporcionar à criança espaço para ser ela própria e para construir a sua identidade; deixá-la tomar as suas próprias decisões; e fazê-la sentir-se integrada, respeitada, valorizada e sujeito ativo das suas próprias aprendizagens nos contextos onde se move. Para saber mais GOMES-PEDRO, João (2004), “O que é ser criança? Da genética ao comportamento”. In Análise Psicológica, 1 (XXII): 33-42, p. 34. OLIVEIRA, M. Conceição e MIRANDA CUNHA, M. Isabel Santo (2007), “Infância e Desenvolvimento”. In Cadernos de Estudo nº 6, p. 35. Centro de Investigação Paula Frassinetti. Programa do XXI Governo Constitucional (2015-2019) de Portugal. Disponível em: http://www.portugal.gov.pt/media/18268168/programa-do-xxi-governo.pdf, p. 103 (consultado em 30/11/2015). TAVARES, José et al. (2007), Manual de Psicologia do Desenvolvimento e Aprendizagem, pp. 43-57. Porto: Porto Editora. VASCONCELOS, Teresa (Dir.,1997), Orientações Curriculares para a Educação Pré-escolar. Ministério da Educação, p. 15. Disponível em www.dge.mec.pt/sites/default/files/Basico/orientacoes_curriculares_pre_escolar.pdf.
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O conto tradicional, mesmo nas suas formas mais modernas, tem um forte papel na formação © Valeriy Lebedev - Fotolia.com Mas como se relacionam estes contos com o inconsciente infantil e com o desenvolvimento psicológico da criança? O psicólogo norte-americano Bruno Bettelheim explanou a sua perspetiva no livro "Psicanálise dos Contos de Fadas", editado em Portugal pela Bertrand, de que lhe trazemos aqui este excerto. Os contos de fadas e o dilema existencial Em ordem a dominar os problemas psicológicos do crescimento (ultrapassagem das feridas narcísicas dos conflitos edipianos, das rivalidades fraternas, das dependências infantis; obtenção de um sentimento de personalidade e valor próprio e um senso de obrigação moral), a criança precisa de compreender o que se passa no seu consciente de forma a que possa enfrentar o que se passa no seu inconsciente. Ela pode conseguir este entendimento e, com ele, a capacidade de apontamento, não através de uma compreensão racional da natureza e do conteúdo do seu inconsciente, mas familiarizando-se com este por meio de devaneios — ruminando, reajustando e fantasiando elementos adequados para responder a tensões inconscientes. Procedendo assim, a criança acomoda o conteúdo inconsciente a fantasias conscientes, que então lhe permitem lidar com esse conteúdo. É aqui que os contos de fadas têm um valor ímpar, porque oferecem à imaginação da criança novas dimensões que seria impossível ela descobrir só por si. Mais: a forma e a estrutura dos contos de fadas sugerem à criança imagens através das quais ela pode estruturar os seus devaneios, e com isso orientar melhor a vida. Na criança ou no adulto, o inconsciente é um poderoso determinante do comportamento. Quando o inconsciente é reprimido e ao seu conteúdo é negada a consciencialização, então o espírito consciente da pessoa acabará finalmente por ficar em parte esmagado pelos derivativos destes elementos inconscientes, ou então, ela será forçada a manter um controle tão rígido e compulsivo sobre os mesmos que a sua personalidade poderá vir a ser gravemente afetada. Mas quando se permite que material inconsciente, em certa medida, atinja a consciência e possa ser elaborado através da imaginação, o seu potencial para fazer o mal — a nós próprios ou a outros — torna-se muito reduzido; algumas das suas forças podem então ser dirigidas para fins positivos. Contudo, a crença paternal dominante é que a criança tem de ser poupada daquilo que mais a perturba: as suas angústias sem forma nem nome, as suas fantasias caóticas, enfurecidas, ou mesmo violentas. Muitos pais acreditam que só a realidade consciente ou imagens agradáveis e que satisfaçam os nossos desejos devem ser oferecidos à criança — que ela deve ser exposta somente ao lado belo das coisas. Porém, um tal alimento unilateral nutre o espírito também só unilateralmente, e a vida real não é toda bela. Há uma recusa muito generalizada em deixar as crianças saberem que a fonte de muito do que vai mal no mundo é devido às nossas próprias naturezas — a propensão que todo o homem tem para agir agressivamente, associalmente, egoistamente, por raiva ou angústia. Em vez disso, queremos que os nossos filhos acreditem que todos os homens são bons por natureza. Mas os miúdos sabem que eles não são sempre bons; e muitas vezes, mesmo quando o são, prefeririam não o ser. Isto vem contradizer o que os pais lhes dizem, o que faz com que a criança se veja a si própria como um monstro. A cultura dominante deseja aparentar, especialmente no que diz respeito às crianças, que o lado sombrio do homem não existe, declarando acreditar num «melhorismo» otimista. A própria psicanálise é encarada como tendo por fim tornar a vida fácil — mas isso não era a intenção do seu fundador. A psicanálise foi criada para habilitar o homem a aceitar a natureza problemática da vida sem ser vencido por ela ou sem se entregar à fuga sistemática. A «receita» de Freud é que só através da luta corajosa contra o que parecem ser esmagadoras contrariedades é que o homem pode chegar a encontrar um sentido para a sua existência. É esta exatamente a mensagem que os contos de fadas trazem à criança, por múltiplas formas: que a luta contra graves dificuldades na vida é inevitável, faz parte intrínseca da existência humana — mas que se o homem se não furtar a ela, e com coragem e determinação enfrentar dificuldades, muitas vezes inesperadas e injustas, acabará por dominar todos os obstáculos e sair vitorioso. Os contos modernos para crianças evitam sobretudo os problemas existenciais, ainda que estes sejam questões cruciais para todos nós. A criança precisa muito especialmente de sugestões, em forma simbólica, sobre como lidar com estes obstáculos para chegar sem risco à maturidade. As histórias «inócuas» não mencionam a morte ou a velhice, nem os limites da nossa existência ou o desejo de uma vida eterna. O conto de fadas, pelo contrário, confronta a criança sem rodeios com as exigências básicas do homem. Por exemplo, muitos contos de fadas começam com a morte da mãe ou do pai; nestes contos, a morte cria problemas angustiantes, como a própria morte, ou o medo dela, o faz na vida real. Outros contos falam de um pai idoso que decide que chegou a altura de a nova geração tomar as rédeas. Contudo, antes que isso aconteça, o sucessor tem de provar ser capaz e digno. O conto dos irmãos Grimm "As Três Penas" começa assim: «Era uma vez um rei que tinha três filhos... Quando o rei já estava velho e fraco, pensando no seu fim, não sabia qual dos filhos deveria herdar o seu trono.» Para se decidir, o rei dá aos filhos uma tarefa difícil; o filho que melhor a desempenhar «será rei depois da minha morte». É característico dos contos de fadas expor um dilema existencial, concisa e diretamente. Isto permite que a criança enfrente logo o problema na sua forma mais essencial, ao passo que um enredo mais complexo seria para ela mais confuso. O conto de fadas simplifica todas as situações. As suas personagens são definidas com clareza; e os pormenores, a não ser que sejam muito importantes, são eliminados. Todos os carateres são mais típicos que invulgares. Contrariamente ao que acontece nos modernos contos para crianças, tanto a maldade como a virtude se encontram omnipresentes nos contos de fadas. Em praticamente todos os contos de fadas o bem e o mal aparecem sob a forma de algumas personagens e suas ações, tal como o bem e o mal estão omnipresentes na vida e as propensões para ambos se encontram em cada homem. É esta dualidade que põe um problema moral e exige um luta para a resolver. O mal não deixa de ter os seus atrativos — simbolizados pelo poderoso gigante ou pelo dragão, pelo poder da bruxa, da astuta rainha em Branca de Neve — e muitas vezes está temporariamente em ascendência. Em muitos contos de fadas o usurpador consegue, por algum tempo apoderar-se do lugar que, por direito, pertence ao herói — como as maldosas irmãs n' A Gata Borralheira. Não é o facto de o malfeitor ser castigado no fim da história que faz com que os contos de fadas sejam uma experiência de educação moral, ainda que isso também seja uma parte da questão. Nos contos de fadas, como na vida, o castigo (ou o medo dele) é somente uma dissuasão limitada para o crime. A convicção de que o crime não compensa é uma dissuasão muito mais eficaz, e é por isso que nos contos de fadas os maus perdem sempre. Não é o facto de a virtude ganhar no fim que promove a moralidade, mas sim o facto de que o herói é extremamente simpático para a criança, a qual se identifica com ele em todas as suas lutas. Por causa desta identificação, a criança imagina que sofre com o herói todas as suas provações e tribulações, triunfando com ele quando a virtude triunfa também. A criança faz tais identificações por si própria, e as lutas interiores e exteriores do herói gravam nela a moralidade. As personagens dos contos de fadas não são ambivalentes — não são boas e más ao mesmo tempo, como na realidade o somos. Mas uma vez que a polarização domina o espírito da criança, ela domina também os contos de fadas. Uma pessoa é boa ou má, sem meios-termos. Um irmão é estúpido, outro inteligente. Uma irmã é virtuosa e trabalhadora, a outra vil e preguiçosa. Uma é bela, as outras feias. Um dos pais é todo bondade, o outro maldade. A justaposição de personagens opostas não tem por fim pôr ênfase ao «bom» comportamento, como seria o caso nos contos de advertência. (Há alguns contos de fadas amorais em que o bem e o mal, a beleza e a fealdade não têm qualquer papel.) Estas personagens polarizadas permitem à criança compreender facilmente a diferença entre ambos os pólos, coisa que ela não poderia fazer facilmente se os protagonistas fossem desenhados mais próximos da realidade, com todas as complexidades que caracterizam as pessoas reais. As ambiguidades têm de esperar até que se tenha estabelecido uma personalidade relativamente firme com base em identificações positivas. Só então é que a criança tem bases para compreender que há grandes diferenças entre as pessoas e que, portanto, tem de fazer uma opção sobre aquilo que quer ser. Esta decisão básica, sobre a qual todo o desenvolvimento posterior da personalidade será erigido, é facilitada pela polarização do conto de fadas. Mais: as preferências da criança baseiam-se não tanto na oposição entre o bem e o mal como em quem desperta a sua simpatia ou a sua antipatia. Quanto mais simples e boa for uma personagem, mais fácil será para a criança identificar-se como o herói bom não por causa da sua bondade, mas porque a situação do herói encontra nela um eco profundo e positivo. Para a criança, a questão não é «Quero ser bom?», mas sim, «Com quem me quero parecer?» A criança decide isso com base na sua completa projeção numa personagem. Se esta é uma boa pessoa, então a criança decide que ela também quer ser boa. Os contos de fadas amorais não mostram polarização ou justaposição de pessoas boas e más porque têm uma finalidade inteiramente diferente. Contos ou personagens como O Gato das Botas, em que o herói é bem sucedido através das batotas que faz, e Jack, que rouba o tesouro do gigante, não propõem opções entre o bem e o mal. Mas proporcionam à criança a esperança de que mesmo os fracos podem triunfar. Afinal, para que é que serve ser uma boa pessoa quando um tipo se sente tão insignificante que acha que nunca chegará a ser alguém? A moralidade não é o objetivo destes contos, mas sim o sentimento de que é possível ser bem sucedido na vida. Respondem assim a um importantíssimo problema existencial: a questão de se encarar a vida com confiança, na possibilidade de enfrentar e resolver as dificuldades ou, pelo contrário, com o sentimento antecipado da derrota. Os profundos conflitos interiores, que têm origem nas nossas pulsões primitivas e nas nossas emoções violentas, são denegados na maioria da moderna literatura infantil, e desta forma a criança não encontra aí apoio na sua elaboração desses sentimentos. Mas a criança é sujeita a sentimentos desesperados de solidão e abandono, e frequentemente sente uma angústia mortal. As mais das vezes, não sabe exprimir tais sentimentos por palavras, ou só o pode fazer por forma indireta: tem medo da escuridão ou de algum animal, sente angústia pelo seu corpo. Uma vez que reconhecer estas emoções nos filhos cria mal-estar nos pais, eles tendem a ignorar ou a minimizar esse receios, com base na sua própria angústia, pensando que isso acalmará o medo manifestado pelas crianças. O conto de fadas, pelo contrário, leva muito a sério estas angústias e dilemas existenciais e aborda-os diretamente: a necessidade de nos sentirmos amados e o medo de que pensem que não prestamos para nada; o amor pela vida e o medo da morte. Além disso, o conto de fadas oferece soluções que a criança pode apreender no seu nível de compreensão. Por exemplo, os contos de fadas põem o problema do desejo da vida eterna, concluindo ocasionalmente: «Se eles não morreram, ainda estão vivos.» Outros acabam assim: «E viveram felizes para todo o sempre.» Contudo, não levam a criança a acreditar, nem por um instante, que a vida eterna é possível. Mas indicam a única coisa que pode suavizar os estreitos limites da nossa passagem por este mundo: a formação de uma ligação verdadeiramente satisfatória com outrem. Os contos de fadas ensinam que através das ligações afetivas com outra pessoa atingimos a suprema segurança emocional e conseguimos as relações mais permanentes que estão ao nosso alcance; e só isto pode dissipar o medo da morte. Se encontramos o verdadeiro amor adulto, diz-nos também o conto de fadas, então não precisamos de desejar a vida eterna. Isto é sugerido por outro final: «Eles viveram por muito tempo, felizes e contentes.» As pessoas mal informadas sobre o conto de fadas veem neste tipo de final a satisfação de um desejo infantil irrealista e escapa-lhes completamente a importante mensagem que é dirigida à criança. Estes contos dizem-lhe que, através da formação de uma verdadeira relação interpessoal, pode escapar à angústia da separação que a persegue (angústia essa que constitui o cenário de muitos contos de fadas e acaba por ser sempre bem resolvida no fim da história). Mais: a história diz-nos que este final não se torna possível (tal como a criança deseja e acredita) se uma pessoa se agarrar à mãe eternamente. Se tentarmos escapar à angústia da separação e da morte agarrando-nos desesperadamente aos nossos pais, acabaremos por ser cruelmente postos na rua, como Hansel e Gretel. Só saindo para a vida é que o herói (a criança) pode encontrar-se; e deste modo encontrará também «outrem» com quem poderá viver feliz para sempre (isto é, sem ter de sentir outra vez a angústia da separação). O conto de fadas é orientado para o futuro e guia a criança (em termos que ela possa entender tanto do ponto de vista do seu psiquismo consciente como do seu inconsciente) no sentido de renunciar aos seus desejos de dependência infantil e realizar uma existência independente mais satisfatória. As crianças de hoje já não crescem na segurança de uma grande família ou de uma comunidade bem integrada. Assim, mais ainda do que no tempo em que foram inventados os contos de fadas, é importante fornecer à criança moderna imagens de heróis que têm de se lançar no mundo sozinhos e que, apesar de não saberem à partida como é que as coisas se vão resolver, acham lugares seguros no mundo, seguindo para a frente com profunda confiança interior. O herói dos contos de fadas tem um percurso solitário durante uns tempos, tal como a criança moderna frequentemente se sente isolada. O herói recebe ajuda porque está em contacto com coisas primitivas — uma árvore, um animal, a natureza —, tal como a criança se sente em contacto com estas coisas, mais do que a maioria dos adultos. O destino destes heróis convence a criança de que, como eles, se pode sentir abandonada no mundo, tateando no escuro; mas, como eles, no decorrer da sua vida será guiada passo a passo, e receberá ajuda quando necessário. Hoje, mais do que noutros tempos, a criança precisa da confiança oferecida pela imagem do homem isolado, que todavia é capaz de estabelecer relações significativas e compensadoras com o mundo que o rodeia. © Greenland | Stock Free Images & Dreamstime Stock Photos A educação pré-escolar é reconhecida “co-mo primeira etapa da educação básica no processo de educação ao longo da vida” A educação pré-escolar é já frequentada por cerca de 90% das crianças, no ano anterior ao ingresso na escolaridade básica, mas não tem caráter obrigatório, nem abrange todas as crianças a partir dos três anos. A definição de metas finais para a educação pré-escolar, contribui para esclarecer e explicitar as “condições favoráveis para o sucesso escolar” indicadas nas Orientações Curriculares para a Educação Pré-Escolar, facultando um referencial comum que será útil aos educadores de infância, para planearem processos, estratégias e modos de progressão de forma a que todas as crianças possam ter realizado essas aprendizagens antes de entrarem para o 1.º ciclo. Não se pretende, porém, que esgotem ou limitem as oportunidades e experiências de aprendizagem, que podem e devem ser proporcionadas no jardim-de-infância e que exigem uma intervenção intencional do educador. A eventual não consecução das metas para a educação pré-escolar não pode, no entanto, constituir entrave à entrada no 1.º ciclo. Poderão, sim, constituir um instrumento facilitador do diálogo entre educadores e professores do 1º ciclo, nomeadamente os que recebem o primeiro ano, a quem competirá dar seguimento às aprendizagens realizadas ou se, por qualquer razão, inclusive no caso das crianças que não tenham beneficiado de educação pré-escolar, as metas não tiveram sido alcançadas, assegurar que isso aconteça. Ao situarem as aprendizagens que constituem as bases de novos conhecimentos a desenvolver no 1.º ciclo, as metas para o final da educação pré-escolar são, assim, úteis ao trabalho dos professores do 1.º ciclo. Poderão, finalmente, apoiar e esclarecer o diálogo com pais/encarregados de educação e a sua participação, bem como de outros adultos com responsabilidades na educação das crianças, que poderão ter acesso a um conjunto de aprendizagens que são importantes para o seu progresso educativo e escolar, compreendendo melhor o que as crianças aprendem e devem saber no final da educação pré-escolar, apoiando essas aprendizagens em situações informais do quotidiano. Organização e estrutura das metas Baseando-se nas Orientações Curriculares para a Educação Pré-Escolar, as metas de aprendizagem estão globalmente estruturadas pelas áreas de conteúdo aí enunciadas, mantendo a mesma designação. No entanto, a sua apresentação e organização interna têm algumas especificidades, ao adotar, nas diferentes áreas, os grandes domínios definidos para todo o ensino básico e ao diferenciar alguns conteúdos que estão menos destacados nas Orientações Curriculares. Esta reorganização decorre da opção, que é comum à definição das metas para todo o ensino básico, de estabelecer uma sequência das aprendizagens que, neste caso, visa particularmente facilitar a continuidade entre a educação pré-escolar e o ensino básico. Importa acrescentar que, se é obviamente necessário definir aprendizagens a realizar em cada área, não se pode esquecer que na prática dos jardins-de-infância se deve procurar uma construção articulada do saber, em que as áreas devem ser abordadas de uma forma globalizante e integrada. Este entendimento surge, aliás, nas aprendizagens definidas para algumas áreas, como será explicitado a seguir, na sua apresentação. As áreas em que estas aprendizagens estão organizadas são as seguintes: Formação Pessoal e Social – esta área é apenas contemplada na educação pré-escolar dada a sua importância neste nível educativo, em que as crianças têm oportunidade de participar num grupo e de iniciar a aprendizagem de atitudes e valores que lhes permitam tornar-se cidadãos solidários e críticos. Nesta área, que tem continuidade nos outros ciclos enquanto educação para a cidadania, identificaram-se algumas aprendizagens globais que lhe são próprias. No entanto, tratando-se de uma área integradora, essas aprendizagens surgem muitas vezes também referidas, de modo mais específico em outras áreas, relacionadas com os seus conteúdos. Expressão e Comunicação – nesta área surgem separadamente os seus diferentes domínios. No domínio das Expressões são diferenciadas as suas diferentes vertentes: Motora, Plástica, Musical, Dramática, neste caso designada por Expressão Dramática/Teatro, tendo-se acrescentado a Dança que tem relações próximas com a Expressão Motora e Musical. As metas propostas para estas várias vertentes estão organizadas de acordo com domínios de aprendizagem que são comuns a todo o ensino artístico ao longo da escolaridade básica. Por seu turno, a estrutura da Expressão Motora corresponde à que é adoptada para a Educação Física Motora do 1º ciclo. Estas opções decorrem da intenção de progressão, articulação e continuidade que presidiu à elaboração destas metas. Linguagem Oral e Abordagem da Escrita – esta área corresponde à Língua Portuguesa nos outros ciclos e inclui não só as aprendizagens relativas à linguagem oral, mas também as relacionadas com compreensão do texto escrito lido pelo adulto, e ainda as que são indispensáveis para iniciar a aprendizagem formal da leitura e da escrita. Matemática – esta área contempla as aprendizagens fundamentais neste campo do conhecimento, distribuídas também pelos grandes domínios de aprendizagem que estruturam a aprendizagem da Matemática nos diferentes ciclos. Conhecimento do Mundo – esta área abarca o início das aprendizagens nas várias ciências naturais e humanas, tem continuidade no Estudo do Meio no 1º ciclo e inclui, tal como este, de forma integrada, o contributo de diferentes áreas científicas (Ciências Naturais, Geografia e História). Acrescentou-se ainda: Tecnologias de Informação e Comunicação – uma área transversal a toda a educação básica e que, dada a sua importância actual, será, com vantagem, iniciada precocemente. Fonte: Ministério da Educação, Direção-geral de Inovação e Desenvolvimento Curricular |
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